Cultura em Cena: Fernanda Zamoner – Fazendo da Arte a Sua História
Na coluna desta semana, conheça a história dessa mulher que transpira e respira arte!
Nascida em chão com a arte pulsando pela terra que abrigava os passos e os movimentos da sua família e dos amigos que a rodeavam, transformando o teatro em suas fontes de energia, Fernanda transpira e respira arte.
O TEJO, grupo teatral que o artista e pai Jorge Zamoner ajudou a criar e conduziu durante muito tempo, já vinha galgando na estrada há 12 anos, e foi no meio deste movimento todo que o mundo foi apresentado para Fernanda.
Seu universo onírico construído por sua fértil imaginação era povoado também por personagens saídos de textos teatrais e materializados durante os encontros da trupe de artistas, que entre ensaios, cantorias e festejos, marcaram sua infância.
Não tardou para incluir neste mundo tão fascinante os olhares arrebatados de uma plateia que contempla os movimentos de uma artista enquanto ela desliza pelo palco. Aos 5 anos de idade estreou no Festival Catarinense de Teatro na cidade de Concórdia.
“Brincando de aprender” veio na sequência. A criança que ainda aprendia brincando também aprendia atuando. E entre bonecos, máscaras e suas primeiras falas em cena, sua trajetória no mundo da arte já ia sendo construída.
“Eu lembro de duas apresentações de cena, e eu lembro que eu tinha duas falas no espetáculo, e a minha primeira fala era – Eu vou torcer para o Corinthians!“
“A arte tem tudo a ver com crianças. Hoje para mim a arte e a infância tem muito assim, é muito mágico você olhar uma criança. Você pede pra um adulto ou adolescente fazer isto. Você vai dar aula. Você diz olha, tenta isto, tenta aquilo. E uma criança é. Ela já faz naturalmente. A gente já foi castrado, desaprendeu de ser. Por que parece que é a natural a expressão pra gente. De ser humano Toda esta magia que a gente estava falando das coisas, as crianças são abertas para isto. Elas veem, elas ouvem, elas brincam.”
Paralelo as apresentações nos espetáculos teatrais realizados pelo Tejo, Fernanda participou também das aulas de teatro ministradas pelo ator, bonequeiro e diretor Guilherme Peixoto, no Colégio Cristo Rei.
Em 1992 após alguns anos de paralisação, o tradicional desfile das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d´Oeste voltou a ganhar um novo fôlego, e o Tejo começou então a traçar seu caminho com um olhar mais direcionado à festa que engrandecia a cada ano que passava, tornando-se o maior evento cultural do Vale do Rio do Peixe.
“Foi uma outra fase bem incrível pra mim, descobrir um outro lugar, que vinha com a cultura popular, que vinha com dança, foi um caminho que eu fiz mais enveredando pra dança, a coisa da bateria, muita gente junto, que é uma coisa que impacta muito até hoje o carnaval. É esta coisa comunitária, é a coisa da força de muita gente junto. E que mais pra frente, quando a gente retoma com o teatro vai estar presente nos espetáculos que a gente faz. “O Contestado” com 50 pessoas em cena. Sempre tem uma coisa, a agente fez um espetáculo em Irani, que era quase 50 pessoas em cena, esta coisa da força que a gente tem quando estamos muito juntos.”
Porta-Bandeira: “Um dia tinha a Dona Olivia, que era porta-bandeira antiga já. E eu lembro que no meu segundo ano de carnaval ela estava ensaiando lá na quadra, assim de chão, que era meio brita, e eu olhei aquela mulher dançando, uma senhora, negra, e ela era linda dançando, eu olhei aquilo e eu disse – Cara é isto que eu quero fazer. Muito pequena eu era, eu acho que eu tinha 9 anos ainda. Foi incrível, porque eu lembro deste momento, eu lembro dela dançando com aquela bandeira, aquela era de um formato diferente, era mais larga. Eu tinha desfilado 2 anos com carro, que era um carro que eles faziam para as crianças desfilarem, nos meus 2 primeiros anos. E ai naquele ano convenci, mas eu era muito pequena né".
Quer saber vamos pôr um monte de crianças, não sei se foi meu pai, não sei quem teve a ideia, e saí convencendo minhas amigas, vamos desfilar de porta-bandeira, vamos fazer casais, uma ala de casais de mestre-sala e porta-bandeira, só com crianças pequenas. Foi assim que eu comecei.
E no outro ano a gente foi em uma ala também, e no terceiro ano eram 4 casais, uma linha menor, e ai fui ser mirim, anos mirim, depois terceiro casal, as escolas vão substituindo, terceiro, segundo, até que tinha 16 anos quando fui primeira porta-bandeira.”
Como foi ser primeira porta-bandeira ? -”Foi uma pressão... Eu lembro que os primeiros anos foram difíceis. Na época a Aliança tinha a Úrsula e o Baianinho que era um super casal, iam super bem, mas pra mim, hoje eu já me acalmei nisto, mas com o carnaval sempre teve uma grande questão como é que existe algo na arte, na cultura popular que tu julga né. Então, todo o prazer que eu sentia desde criança, e aquilo era catártico para mim, de desfilar, de repente alguém ia me dar uma nota, alguém ia dizer que aquilo que me dava muito prazer, me fazia muito feliz, e me fazia feliz pra mim olhar as pessoas, né. Aquela energia que você sente no público não é só tua. Tá todo mundo junto, você tá fazendo aquilo também com as pessoas. De repente aquilo ia ser julgado, alguém ia te dar uma nota.”
Apuração do resultado do desfile “ Era muito difícil. Nossa Senhora como era difícil. Por que não tem nenhum outro quesito que seja tão pesado para uma pessoa. São 2 pessoas. Só tem 2 pessoas para assumirem o fardo se a escola perder por aquele décimo. Tem bateria, são 80 pessoas, né. Mesmo Harmonia ou alegoria, é todo mundo.
Mas, ao mesmo tempo é um lugar que se constrói assim. Vai construindo uma firmeza. É uma resiliência, de receber, de treinar, de ser julgado, de ouvir o que serve ou o que não serve. Que são anos, né. Mas, eu acho que eu fui muito abençoada e sortuda na vida quando eu comecei a ser julgada na escola, porque eu tinha passado 15 anos da minha vida dentro da escola de samba.
Embora tivesse esta coisa, de ah é a filha do carnavalesco, tinha uma coisa de apoio de muita gente. Eu me sentia apoiada pela escola, não era uma coisa que eu tinha vindo de paraquedas , tinha construído em muitos anos. Eu não tava sendo uma porta-bandeira que chegou ali e vai ser a porta-bandeira, eu tinha passado muitos anos fazendo aquilo.
Existia o mérito, e a gente teve muita sorte de que os nossos primeiros anos, os 10 primeiros anos a gente só tirou 10. Então, a gente construiu um lugar que agora, se a gente tirar mais ou menos, a gente construiu uma estabilidade.. A gente faz bem o nosso trabalho, mas as vezes pode não dar certo. Mas, é o nosso trabalho a gente faz da melhor maneira possível, e nos últimos anos, nos últimos anos da Vale já , a gente começou a montar uma escolinha de mestre-sala e porta-bandeira, e treinar pessoas e crianças que queriam ser, até hoje. E desde então me vem muito isto. O tempo todo reconhecer trabalho. Dizer olha que legal o teu trabalho, por que é trabalho, Meu Deus do céu, eu sei o que me custa dois meses treinando, ensaiando, machucando o pé, machucando a cabeça, me quebrando. E é pra todo mundo. Eu não posso querer que ninguém, porque tá junto comigo, que tire menos que 10
Eu sei o trabalho que esta pessoa teve, a gente pode ter estilos diferentes. A pessoa dança de um jeito mais rápido, eu tenho um estilo mais clássico, outro é diferente, mas tá todo mundo trabalhando muito para fazer isto. E como artista eu só tenho que bater palmas para esta galera, E quanto mais gente boa tiver, melhor pra mim, melhor para ela, e se a gente se apoiar, quando for difícil pra mim eu vou ter o apoio dela também, E eu sei que é difícil começar, e não tem porque não ser assim, a gente só cresce. “
Arte na Academia “A gente tem um projeto que se chama arte na acadêmia, a gente começou com a Acadêmicos, que a gente tem a nossa escolinha de mestre-sala e porta-bandeira, tem a escolinha de bateria, percussão, que o Isaias Alves, que é nosso mestre de bateria, dá. A bateria dura o ano inteiro, ele tá lá na Cachoeirinha, grande parte da nossa bateria é formada por meninos da Cachoeirinha.
Graduação em Artes Cênicas
Aos 16 anos partiu para Curitiba para cursar o Terceirão, e no ano seguinte, 12 anos após a sua primeira pisada em um palco, começou a graduar-se no curso de Artes Cênicas da FAP (Faculdade de Artes do Paraná). Querendo ocupar todo o tempo disponível e sempre buscando ampliar seus conhecimentos iniciou em paralelo um curso de Relações Internacionais, que foi substituído no ano seguinte pelo curso de Direito.
Após um ano e meio decidiu abandonar o estudo das leis e partiu para ampliar suas habilidades em outra paixão sua, cenografia para teatro, iniciando no curso de Design do CEPDAP – Centro de Educação Profissional de Design, Artes e Profissões.
Em 2007, inscreveu seu projeto de conclusão do curso de Design no concurso nacional “Novos Talentos” promovido pela revista “Viver Bem”. 170 projetos participaram e somente 5 foram à final que aconteceu em São Paulo. A proposta do concurso era desenvolver um projeto de reforma de um apartamento de 46 m², gastando R$ 50 mil. A presença na final foi publicada pelo jornal “Bem Paraná”, destacando Fernanda como uma das duas representantes do estado.
“Na época era uma coisa, que tinha algo que eu precisava dizer para as pessoas, que era uma coisa assim, eu estou fazendo teatro por que eu amo, não por que eu não consigo passar no vestibular, não porque eu não consigo fazer Direito. Tanto que eu fiz na Federal e eu fiz também vários vestibulares. Se eu quisesse eu poderia, estou fazendo teatro porque eu quero fazer teatro.”
Produção Cultural “No final da faculdade eu comecei a trabalhar com um grupo lá em Curitiba que fazia produção, comecei a tentar compreender como escrever um projeto, quais são os caminhos. Dai quando eu vim para cá percebi como isto ainda é mais necessário, pois aqui a gente se ajuda, ajuda um amigo, fazemos em coletivo.
“O Contestado” O espetáculo “O Contestado” do compositor, dramaturgo e historiador catarinense Romário Borellii, ganhou uma montagem joaçabense realizada pelo TEJO, conduzida pelo artista plástico Jorge Zamoner, e contando com um elenco de 50 artistas, incluindo músicos, cantores e atores. Muitos integrantes vieram do teatro comunitário, pessoas que não tinham a intenção de se profissionalizar, e a força conquistada com este movimento impulsionou a criação do
Curso de Licenciatura em Artes Cênicas, da Unoesc. Fernanda foi convocada pelo pai para somar forças na montagem da megaprodução que exigia um esforço extraordinário para colocá-la no palco.
“Na época eu tava me formando na FAP e o Roger também tinha se formado na FAP recentemente, e o pai tava dirigindo e ele chamou a gente. Ah venham aqui, daí a gente fez meio que junto assim, criou um pouco junto e na época eu criei até a cenografia do espetáculo, mas no todo a gente criou a cenografia juntos, dirigiu juntos, por que a gente passou 10 dias na praia, a gente sentou e meio que desenhou como é que a gente ia fazer aquilo. Eu, o Roger e o pai. Foi muito legal.
E foi bem complementar assim, por que eu tava saindo da faculdade e o pai é um líder, um líder muito cativante, que emociona as pessoas e empolga. Como é que se junta 50 pessoas e faz elas ensaiarem quase todos os dias, todos os finais de semanas ? Ele dá esta intensidade para as coisas, e a partir dai tinha o curso, dai eu vinha nos finais de semanas para dar aula. Eu tinha terminado minha pós, tinha feito especialização em teatro e licenciatura dramática também, e comecei a vir dar aulas no curso, que foi quando eu comecei a vir mais à Joaçaba. Comecei a fazer esta ponte.”
Paixão pelo Teatro
“Esta coisa do teatro ser uma das únicas artes que necessita da presença humana, e mesmo a música, ah eu posso tocar, mas ao mesmo tempo eu posso gravar e reproduzir, e o teatro ele precisa da pessoas, então ele tem muito a parte da presença. Eu preciso de você, e se eu preciso de outra pessoa, ele tem a ver com a experiência, e ai ele é assim, para eu estar na experiência com você, meu treino é constante, ele está presente comigo, o meu treino tem que estar com minha mente no meu corpo, de estar com meu corpo disponível, com meu ouvido disponível, a escuta,a presença, o afeto. Acho que isto é um das coisas que pra mim mais me seduz, que eu sou extremamente agradecida, que o meu trabalho me faz também ser uma pessoa melhor, Como o próprio treino do teatro que treina com pessoas, Te treina a ser uma pessoa mais empática, mais afetuosa, mais presente pro outro, com a experiência com o outro na vida.”
“Pra mim foi muito legal crescer no ambiente da arte, que é muito legal ver meu filho crescendo neste ambiente Que é ser um ambiente de afeto, um ambiente de escuta sabe, então a gente o tempo todo está se relacionando e convivendo com pessoas que escutam, interessados na experiência dele,
na infância, que recebem este afeto com carinho. Isto pra mim é uma das coisas mais importantes assim que uma criança pode ter na vida. É o contato com a natureza é um ambiente de escuta e um crescimento saudável.
“E hoje eu só agradeço. Agradeço a profissão que eu tenho, principalmente com o teatro, acho que a arte em sí é um lugar que te dá uma possibilidade de estar sempre olhando o mundo com um pezinho, com um outro olhar, mudar um pouquinho o foco, que te permite não entrar tão fácil no sistema, no que tá dado. Então você está sempre abrindo uma outra possibilidade – Ah é isto, mas e se a gente olhar assim.”
Para conhecer mais sobre a artista Fernanda Zamoner acesse sua página no facebook: https://www.facebook.com/fernanda.zamoner.3
Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.