Gilmara Bizinela de Campos e a Dança Circular como Instrumento de Cura

Confira a coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre.

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Gilmara Bizinela de Campos e a Dança Circular como Instrumento de Cura

“Eu sinto que a arte vem para que eu possa expressar o amor, o meu amor no mundo, e ajudar, porque eu acredito que a gente está aqui para servir.”

“A Dança Circular surge na minha vida em janeiro de 2018, quando eu faço uma formação em dança circular em Curitiba, com a “ Giraflor – Danças Circulares”, que é uma empresa da professora Adriana Bisconsin, e ela tem andado pelo mundo. Esteve na Suiça com este projeto que se chama Mandalas em Movimento. Então, foi algo muito marcante para mim, porque a questão da dança na minha vida sempre foi algo muito forte, mas tinha ficado umas rusgas. Eu sentia a importância das pessoas fazerem parte, pois vivi na pele o fato de você não se sentir acolhido num lugar, num grupo, e isso para alguém como eu que sempre fui tímida e com a autoestima baixa contribuiu para eu me sentir incapaz, e pensar – Ah, eu não consigo. E eu trago sempre esta coisa dentro de mim, que todo mundo pode tudo, e não precisa ter uma grande habilidade. Você vai cantar num coral, uns cantam mais afinados, outros menos, mas você pode cantar. Não interessa se você canta desafinado. Cante, por que isto faz bem pra você. Falando da arte como cura, porque a dança circular é uma dança curativa. Não que as outras não sejam. Acho que toda forma de expressão, de dança, de arte, cura, mas quando estamos conscientes disso e o trabalho é conduzido nesse sentido o processo de cura acontece de forma mais efetiva.

Então, ali na Dança Circular, no movimento da roda, não existe uma hierarquia. Ninguém está na frente, ninguém está atrás. Ali na roda, no círculo, todos são iguais, é uma irmandade, uma fraternidade. Você está olhando nos olhos de todos, não existe ninguém na frente, ninguém atrás, sem hierarquia, e você se sente parte daquele todo, daquele grupo, que não tem começo e fim, dai a simbologia do infinito, do círculo, que tá ligada a criação, a natureza, que tá muito ligada ao feminino, à Deusa.

Eu acredito que os movimentos da vida e da criação são circulares, muitas coisas em espirais no nosso corpo, existem todos estes estudos, o umbigo, a orelha, a barriga da mãe grávida, e na natureza o movimento do nascer e pôr do sol e a própria forma dos astros são circulares, há muitos movimentos da vida e da criação que são em roda, e a dança em círculo nos conecta a essa energia da criação, enfim, a Deus. Que é uma energia circular, que não tem fim, e amorosa, porque é ligada a esse amor infinito, a terra, a mãe terra, enfim, a tudo isso que faz parte da energia da roda, onde as pessoas se sentem acolhidas para poder pertencer e também expressar, sentir e se conectar ao seu próprio amor que é o que todos somos no mais profundo, e aí se curar.

Quando a gente acessa esse lugar de amor dentro de nós, aí se conecta a Deus e a sua vida entra nessa fluidez, que é esta dinâmica que pra mim ela é das mais importantes e é ondulada e é circular.

Como focalizadora de dança circular, hoje percebo e sou grata pela influência de minha mãe Irene nesse trabalho, pois esse lado da espiritualidade e da fé foi fortificado pela ancestralidade de minha mãe e por meio de processos terapêuticos e espirituais, os quais sou muito grata também aos meus professores. Do lado de meu pai Romolino, veio a expressão, a música, a voz, a dança e o teatro. Eu sinto que a minha presença, como a de qualquer outra pessoa que se transforma e cura a si mesma, pode ajudar o outro a se transformar, sem as vezes falar uma palavra.”

 Projeto Aflora

“Eu e a minha irmã Giovana, temos um projeto juntas que é o ”Aflora Vivências e Terapias”, e o meu empreendimento hoje se chama “Sorelle Expressão Corporal e Artística”, que traz mais a parte artística. Então, eu e o Patrick, meu esposo, fazemos palhaços, a gente faz rodas de violão e poesia e o Aflora tá ligado à terapias mesmo, Reiki, a meditação, expressão corporal e a dança circular que é o nosso grande carro chefe do empreendimento.

Nesse projeto juntas, a gente tem um grupo em Lacerdópolis, e nós estamos buscando na prefeitura de Joaçaba e Herval e em outros espaços, criar uma turma regular. Trazer a música, a dança e a expressão como forma de cura mesmo. E este processo acontece mexendo com o inconsciente, acontecem liberações, que são a níveis físicos ligados às células do corpo, níveis espirituais e emocionais que as vezes a gente não compreende, mas que vai tomando consciência a partir desse trabalho.”

Ancestrais

O tempo se debruçava sobre os anos 30 e transcorria sem pressa em Nova Roma, localidade encravada na Serra Gaúcha, formada por vales rasgados por rios e entrecortados por morros que se erguem do chão, pincelados pelo verde das matas e rabiscados pelo marrom dos telhados das casas de madeira, erguidas pelos italianos que atravessaram o oceano Atlântico, e lá fincaram suas raízes. 

Na encosta de um destes morros, às margens do rio da Prata, morava a família Cadoná, e no momento em que o sol começava a se despedir do dia, as oito irmãs sentavam no alto da escada que ligava o segundo pavimento do casarão ao solo, e conduzidas pela mãe Angélica entoavam cantigas italianas. E quando o vento por ali passava, abraçava todas aquelas vozes e carregava junto, atravessando o vale, quebrando o seu silêncio, invadindo lares, até chegar na porta da Igreja Matriz, entrar e se misturar com a celebração da missa, contagiando o padre e incentivando os fiéis a também soltarem suas vozes nos cantos litúrgicos.

A noite chegava com as estrelas cintilando no céu e a escuridão escondendo todas as coisas da terra, e convidando ao descanso, que se encerrava no instante em que as luzes da manhã recém haviam iluminado o vale, e então, a estrada que riscava o chão e conduzia os passos das irmãs em direção a mais um dia de trabalho na roça, era tomada pelas vozes harmoniosas daquelas mulheres, que seguiam adiante cantando e só silenciavam no final da caminhada, quando o canto era substituído pelos cuidados com as plantações na lavoura.

As canções voavam longe, entrando também na casa que abrigava nove irmãos cantores, e arrebatava especialmente um deles, batizado com o nome de Valente Bizinela. O cantor que se encantava com as canções que vinham de longe, acabou se apaixonando por Teresa, a dona de uma das vozes, e um dia, Valente e Teresa entrelaçaram suas vidas, suas almas e suas vozes para sempre.

O caminho que levava até o Vale do Rio do Peixe, um dia pareceu ser o melhor caminho a se seguir, e o casal deixou para trás a estonteante paisagem da Serra Gaúcha e desembarcou em Nova Petrópolis, no interior de Joaçaba. Da união dos cantores nasceu Romolino Bizinela. Com a música pulsando em suas veias não tardou para Romolino seguir os passos de seus ancestrais. Com sete anos de idade já cantava na igreja, e em casa costumava soltar a voz até altas horas, acompanhado pelo pai Valente, que transbordava de emoção ao ouvir o filho cantar.

A infância ficou para trás, e a busca por uma oportunidade melhor de trabalho levou Romolino, então casado com Irene, para Toledo, no Paraná. A tradição familiar continuou firme, com o pai tocando trombone e bombardino em corais e bandas de sopro.

A alegria e a cantoria marcavam presença nos almoços de domingo em que os filhos de Valente e Teresa se reuniam, no oeste paranaense. Viola, violão, gaita e trombone se misturavam com  as vozes dos irmãos, que embalados por muito vinho extravasavam as emoções, e entre risos e choros, reviravam as memórias revivendo histórias que se perderam no tempo.

A vontade de retornar a revolver a terra, trouxe Romolino Bizinela e sua família de volta para o lugar onde nasceu, no início da década de 90. Com suas raízes fixadas novamente no interior de Joaçaba, tornou-se maestro dos corais de Nova Petrópolis, Jaborá, Catanduvas e Vargem Bonita.

Encantamento e Animais

”Tem uma coisa muito forte em mim desde criança, que é o encantamento. Ele é muito intrínseco. Eu escrevo muito também, eu sou uma pessoa que ama poesia, É uma relação com os objetos, com os animais, de observar as formigas, uma flor, e realmente de me encantar com o céu. As vezes estar sentada lá no balanço e ficar pensando e o infinito ? E não tem fim ? Desde criança eu me vejo com estas questões existenciais.

Eu sempre gostei de desenhar no vidro, o símbolo do infinito. Eu sempre busquei pelo infinito, mas eu nunca encontrei. Como é que eu iria encontrar?  Como você vai encontrar o infinito? Eu sempre tive esta relação muito forte com a natureza, com os animais.

Em Toledo, quando a  tartaruga virava as perninhas pra cima, ela cambaleava, era uma tartaruga terrestre grande, A mãe contava, eu devia ter uns 2, ou 3 anos, eu chorava. Ela se virava e eu chorava por que eu via que ela não conseguia voltar, e eu não sabia o que fazer, e chorava, Dai viravam de volta , ai eu ficava tranquila.”

Infância - Nina – A Vaquinha

As tardes ficaram solitárias para a pequena Gilmara, quando completou 5 anos de idade. Última das quatro irmãs, era a única que a escola ainda não fazia parte da rotina diária. Em uma destas tardes , enquanto brincava no quintal da sua casa, lá em Toledo, se deparou com um pedaço de tronco, resultado da poda de uma árvore que havia crescido muito. Mas, não era uma madeira comum. Olhou novamente… Era uma vaquinha, que estava deitada, descansando. Talvez estivesse cansada de pastar no campo. Ou cansada de não fazer nada. Estava ali no quintal, quieta, também sozinha, esperando por uma criança para fazer amizade.”- Será que ela tem nome ? Será que não tem ? Ah, vou chamar ela de Nina!”.

E Nina virou sua amiga, sua companheira, sempre pronta para ouvir suas histórias. A solidão finalmente havia acabado com a chegada de Nina.

E um dia, quando o momento de retornar para o Vale do Rio do Peixe bateu na porta da sua casa, e o caminhão de mudança estacionou na rua, bem em frente onde brincava, o receio de ser separada de sua amiga, começou a lhe incomodar “ - Poxa, será que a Nina vai ficar aqui, sozinha, abandonada ? E quem vai ouvir as minhas histórias ? E se eu pedisse para o pai levar a minha amiga junto ? E Gilmara correu pedir para não ser separada da sua vaquinha. E Nina veio junto, passou a morar no novo quintal, e sempre estava lá, esperando para brincar e com os ouvidos atentos para ouvi-la. .O tempo passou, a criança foi crescendo, e o pai um dia acabou esquecendo que aquele pedaço de tronco era um animal, e Nina acabou os seus dias como suporte para cortar lenhas.

Teatro na Escola

A primeira oportunidade de pisar em um palco aconteceu aos 6 anos de idade, como protagonista de uma peça na escola em que estudava, e as vagas lembranças deste dia são preenchidas por imagens de flores em seu entorno. Um hiato de 7 anos separou a segunda atuação da sua estreia em frente a uma plateia, quando toda enrolada em faixas brancas de gaze, incorporou o Seu Madruga, morto.

Teatro – O Despertar

 No ano 2000, aos 15 anos, a tranquilidade da vida no interior foi substituída por uma nova moradia em Joaçaba. Em 2005 passou a fazer parte do Coral da Unoesc, e isto abriu passagem para em 2006 integrar o elenco da peça épica “O Contestado”, do compositor, dramaturgo e historiador Romário Borelli, dirigida pelo artista Jorge Zamoner.

“Foi ali que começou, que realmente me ajudou na minha autoestima. Eu me senti acolhida no teatro. A questão do acolhimento é uma coisa muito importante pra mim, No Teatro eu senti este acolhimento. E ali com o Jorge Zamoner era muito legal. E eu comecei bem no início com ele, quando a gente pegou os textos, eram 2 horas de leitura, aí eu me apaixonei pelo teatro. E eu fiquei até 2012, foram 6 anos no grupo”


Artes Cênicas e o Coletivo Engenho Cultural

Em 2011 iniciou no curso de Artes Cênicas da Unoesc, graduando-se em 2015. Após a conclusão

do curso, com o intuito de dar continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido no meio acadêmico, um grupo de atores criou o Coletivo Engenho Cultural.

“A gente fez uma votação para escolher o nome, e o nome que eu escolhi, ganhou, Fiquei feliz que escolheram o que eu escolhi O Coletivo era Gilmara, Alessandra, Letícia, Ingrid, Fábio, Tomaz, e o Pedro. O Coletivo surge deste anseio da gente estar junto fazendo teatro. E ai as ideias foram vindo. Vamos criar uma Mostra de Teatro, vamos trazer os grupos, e foi aquela loucura para conseguir verba, e a gente arrecadava dinheiro no sinal para juntar para a Mostra, para conseguir movimentar, por que a gente não tinha dinheiro. Foram 3 Mostras e a quarta foi o Coletivo em Cena, em 2017, e depois o Coletivo encerrou, cada um focando em suas coisas” 

Poesia

“A poesia na minha vida, é algo que veio desde cedo. De criança, não lia poesia. Quando criança a poesia era a vida. Quando você é criança você vê a vida como uma poesia. Tudo me encantava, as coisas, o sol, o céu. Então, a vida era uma poesia para mim. E eu gostava de ver todo mundo feliz, eu gostava de ver todo mundo alegre.

Foi na adolescência, que me despertou esta coisa da poesia. Quando começou a despertar a paixão, e aquelas poesias, daqueles melancólicos, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, tem uns poetas bem melancólicos, eu gostava daquelas poesias de amores impossíveis. E eu lia muitos livros de poesia, de tudo, Mario Quintana, muito Manoel de Barros, Pablo Neruda. Sempre gostei muito de ler também livros de ficção, alguns romances, eu li muitos livros. Então, a palavra também é uma coisa que eu gosto muito. Eu me expresso muito por meio da palavra.

Eu escrevo muito também. As vezes eu tenho alguma coisa que eu vivi, alguma cena, eu vou lá e escrevo. Eu tenho várias páginas escritas, e já pensei em publicar. Só que eu escrevo para mim, para eu mesma me ler, e me ver na minha escrita. Porque é uma forma de a gente se reconhecer, se ver. Então eu me vejo quando eu escrevo.

A questão de interpretar a poesia, de falar poesia, é esta paixão pela poesia que você quer mostrar para as pessoas. Olha que lindo. Eu amo muito a poesia. Eu e o Patrick fazemos intervenção poética, ele coloca a música de fundo, e a gente fala. Num lugar que não precisa ser tão interpretativo, mas você poder colocar a palavra, colocar o que o autor quis passar ali, aquelas palavras, colocar a emoção dele ali.”


Palhaça Terressa

“A palhaça Terressa surgiu em 2015, numa oficina com a Karla Concá, em Joinville. A palhaça foi o lugar catártico pra mim, Foi o lugar onde eu pude errar. Que é algo muito marcante pra mim.,Que eu era aquela pessoa que achava que tinha que ser perfeita, que tinha que ser certinha diante do que eu aprendi do pai da mãe, da obediência.

Uma questão da religião que traz esta coisa do pecado e da culpa. Não que o pai e a mãe fossem muito rígidos não, eles nos deixavam bem livres na verdade. Mas. tinha que fazer as coisas certas, tem que ser certo, honesto, não roubar ninguém, muitas coisas boas, de valores muito fortes. Mas, de alguma forma também sentia que eu tinha que ser perfeita, tem que ser melhor, tem que fazer tudo bem feito, e isto me travava.

Então, a palhaça surge como um respiro, para dizer eu posso errar. Você pode enlouquecer, mas você tem que voltar, tem que aprender a voltar, O lugar do palhaço é isto. Você está numa loucura, a loucura do palhaço, só que ele está consciente do que está fazendo,. O palhaço ele traz a criança, traz o ridículo, traz questões sensuais, da sexualidade, e ele traz você neste estado verdadeiro, Mas, ele tá no controle. Por que a loucura vai pra um lugar que você perde o controle. A palhaçaria me traz a possibilidade de extravasar uma loucura que eu sei que ela está em mim, no meu sistema, mas dentro do meu controle. Eu vou, mas eu volto, tem que voltar. Você vai, mas você volta. Não se perde nas paixões, não se perde na loucura.” 

Para conhecer mais sobre a artista Gilmara Bizinela de Campos acesse a sua página no Instagram @gilmarabizinela e para conhecer mais sobre o Projeto Aflora acesse @giovanabizinela

Contatos pelo WhatsApp: Gilmara: (49) 98429-4142 e Giovana (49) 99178-1249 

Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.

Fonte:

Omar Dimbarre

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