Índia se forma e vai trabalhar na aldeia em que nasceu
Tenile Mendes, de 22 anos, acaba de se formar em odontologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Tenile Mendes, de 22 anos, acaba de se formar em odontologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Como outros adolescentes, ela teve ajuda da família para escolher a profissão, mas diferente dos colegas, precisou da aprovação das lideranças da aldeia onde cresceu para confirmar a inscrição no vestibular. A jovem é a primeira índia a se graduar pela instituição paranaense.
Agora, com o diploma nas mãos, Tenile assumirá uma grande responsabilidade: ela voltará para a aldeia de cerca de 3.500 pessoas para cuidar da saúde bucal de seu “povo”, como gosta de dizer. "Meu principal objetivo era voltar. Profissionais da área da saúde são aqueles que a aldeia mais precisa", afirmou. Estou feliz porque, com tudo que meu povo sofreu todos esses séculos no Brasil, desde a chegada dos portugueses, é um modo de retribuir " A aldeia Pinhalzinho, da etnia kaingang, fica na Terra Indígena Xapecó (com “x” mesmo) dentro do município de Ipuaçu, em Santa Catarina. Na aldeia, trabalham apenas profissionais da saúde indicados por seus habitantes. Segundo a jovem, ela será indicada para atuar no local e será contratada pela recém-criada Secretaria da Saúde Indígena do Ministério da Saúde. O presidente Lula assinou decreto de criação da secretaria em outubro. Tratamentos de saúde são a principal necessidade dos povos indígenas, segundo Tenile. A comunidade da jovem dentista sofre com a rotatividade dos cerca de dez profissionais que atuam no local. “São todos brancos. Só vão lá para trabalhar”, disse Tenile. Filha de um kaingang com uma descendente de italianos, Tenile disse que não conseguiu aprender a língua da aldeia, onde viveu com a família até os 13 anos. Depois disso, mudou-se para a cidade de São Domingos, a 15 quilômetros da aldeia. Tenile disse que demorou a se adaptar a Curitiba. “Na aldeia, tudo é diferente. É outra realidade. É mais sossegado. Os valores são outros. A política é diferente. A pessoa mais importante é o cacique”, afirmou. Apesar de tranquila, a vida na comunidade é difícil. Parte de seus moradores tem de se deslocar para cidades próximas para trabalhar e outros têm plantações familiares para consumo próprio. “Dependendo da situação em que está o povo, a Funai manda cestas básicas para as famílias”, disse. Na universidade, Tenile aproveitou para estudar políticas públicas indígenas. A jovem entrou na universidade após fazer vestibular específicos para indígenas “Estou feliz porque, com tudo que meu povo sofreu todos esses séculos no Brasil, desde a chegada dos portugueses, é um modo de retribuir. Nós somos uma minoria, porque isso é resultado da colonização”, afirmou. A UFPR tem contas suplementares em todos os cursos para índios. Eles fazem um vestibular entre eles e podem optar por fazer prova de línguas kaingang e guarani. Tenile disse que sofreu preconceito apenas uma vez na universidade e prefere não dar detalhes sobre o caso. “Ocorreu uma vez uma situação. Uma pessoa falou algo. Entendi errado e depois resolvemos”, afirmou. Durante o curso, os colegas viviam fazendo perguntas e pediam para que ela contasse histórias da aldeia. “Todo mundo ficava empolgado”, disse a jovem, que levou amigas para conhecerem sua comunidade em Santa Catarina.