Justiça do Trabalho determina reintegração de indígenas demitidos pela Seara Alimentos

Determinou ainda, o pagamento dos salários e consectários, desde o desligamento até sua efetiva reintegração.

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Ilustrativa - Imagens: Reprodução internet

Em resposta ao pedido de tutela de urgência apresentado pelo Ministério Público do Trabalho em Joaçaba (MPT-SC) no processo ACPCiv 0000537-16.2020.5.12.0008, a Justiça do Trabalho em Concórdia/SC determinou a reintegração de todos os trabalhadores indígenas dispensados pela Seara, localizada no oeste catarinense, com pagamento dos salários e consectários, desde o desligamento até sua efetiva reintegração. Após a reintegração, a empresa deverá afastar de imediato todos os trabalhadores, conforme estabelece a Portaria 312, de 12 de maio de 2020, da Secretaria da Saúde do Estado de Santa Catarina.

O Juiz do Trabalho Adilton José Detoni entendeu que a medida adotada pela Seara é desproporcional; violadora das obrigações fixadas pela Portaria no. 419 da FUNAI, de 17 de março de 2020, que determinou restrições quanto à entrada em terras indígenas, com vistas à prevenção da expansão da epidemia da COVID-19; afrontou os termos da Portaria no. 313, 12 de maio de 2020, da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina. Por fim, entendeu que a dispensa é discriminatória e viola “a dignidade do trabalhador e seu próprio direito à saúde e subsistência, com preterição total da pessoa em razão, unicamente, do negócio”. A seguir são reproduzidos alguns trechos extraídos da decisão prolatada hoje, dia 03 de junho:

“Não há qualquer dúvida de que populações indígenas são absolutamente vulneráveis.

Sem permitir sequer (mera) cogitação de que se trata de discurso ideológico, os indígenas são pessoas que, historicamente, foram fruto do extermínio, da escravização, da marginalização e da exploração, inclusive por seus próprios pares.

Vivem, na grande maioria, em condições precárias de habitação, de saúde, de saneamento e à margem de uma sociedade que pouco os compreende, que os discrimina e até os despreza.

Negar proteção à esta vulnerabilidade cristalina, não é somente afastar preceitos constitucionais; é muito mais que isso; é negar-lhes mínima sensibilidade.

(...)

Neste prisma, não há mais se desconsiderar a efetiva eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que não são somente oponíveis em defesa do cidadão contra atos do Estado (proteção aos “atos do príncipe”), mas também são oponíveis às relações privadas.

(...)

Dito isso volta-se ao ponto do entendimento de que houve desproporção na utilização de um direito potestativo, de modo que se protegeu, no caso, somente o negócio, sob um pretexto de aumento de custos, relegando, ao segundo plano, a pessoa humana, a dignidade do trabalhador e seu próprio direito à saúde e subsistência, com preterição total da pessoa em razão, unicamente, do negócio.

E note-se: não se refere a uma pequena empresa, onde esta equação poderia, talvez, comprometer a viabilidade econômica; fala-se de uma das maiores empresas agroindustriais do mundo, com capacidade financeira demonstrada em balanços contábeis que são de domínio público.

Não há qualquer proporcionalidade entre o ato e o fato (a despeito da proteção legal específica, onde, ainda, sequer se chegou)

(...)

Como já visto anteriormente, os povos indígenas são vulneráveis e merecem proteção normativa, tanto que o Governo Estadual editou regulamentação específica (no caso das agroindústrias), incluído os indígenas como “grupo de risco” em relação a pandemia do COVID-19, o que implica, em princípio, no afastamento do trabalho deste grupo em específico, nos exatos termos da Portaria SES 312 de 12 de maio de 2020 (o original não tem grifos):

(...)

Porém, enfrentamos (todos nós, sem exceção) tempos muito difíceis, onde a cooperação, a ponderação e, principalmente, a solidariedade, devem imperar, tanto que outras empresas do setor, algumas concorrentes da ré, tomaram medidas de proteção à Comunidade Indígena, afastando-as do trabalho, (algumas utilizando os mecanismos legais para afastamento, conforme disposto pelo art. 3º da MP 927 de 22 de março de 2020).

Fato é que a demissão em massa de todos os trabalhadores da Aldeia foi ação em absoluto descompasso com a realidade atual e viola, não só os normativos específicos e excepcionais emanados das autoridades competentes como também, e principalmente, os direitos fundamentais da existência digna, do direito ao trabalho, da proteção social aos vulneráveis e outro sem número de princípios básicos que retratam um conteúdo civilizatório mínimo.

Nem tudo pode ser resumido ao binômio custo/lucratividade, pois é necessário que as empresas cumpram não só com seu dever social como também sejam partícipes ativas em momentos de tamanha gravidade; note-se que empresas menores e com capacidade econômica igualmente menor, em situação idêntica, utilizaram-se de expedientes muito menos gravosos aos trabalhadores.

(...)

Entendido dessa forma, considera-se em sede de antecipação de efeitos da tutela, que as demissões são discriminatórias, devendo ser promovida a reintegração dos demitidos (nominados a fl. 101 dos autos), com pagamento dos salários e consectários, desde o desligamento até sua efetiva reintegração. (...).” (grifos nossos)

Entenda o caso

Na última segunda-feira (01.06), o Ministério Público do Trabalho em Joaçaba (MPT-SC) ajuizou Ação Civil Pública em face da Seara Alimentos LTDA, unidade do grupo JBS, no oeste de Santa Catarina (SC), por conta da dispensa discriminatória de trabalhadores indígenas Kaingang. Em torno de quarenta trabalhadores indígenas (inclusive uma gestante), residentes na Terra Indígena (TI) Serrinha, localizada no norte do estado do Rio Grande do Sul (RS), foram demitidos no mês de maio. O MPT entende que as dispensas contrariam a Constituição Federal, diversas normas internacionais de direitos humanos e a Portaria 312, de 12 de maio de 2020, da Secretaria da Saúde do Estado de Santa Catarina, que determina o afastamento remunerado de trabalhadores indígenas dos frigoríficos por considerá-los integrantes do grupo de risco ao Covid-19.

A Seara alega que os custos de transporte dos trabalhadores indígenas se tornaram proibitivos em decorrência da adoção de medidas sanitárias para prevenir a infecção pelo COVID-19, notadamente, a redução em 50% da capacidade dos veículos de transporte coletivo. No trajeto Terra Indígena – Seara – Terra Indígena, os trabalhadores consumiam entre cinco a seis horas por dia, no ônibus fretado pela empresa.

Na Ação Civil Pública, que tramita na Vara do Trabalho de Concórdia/SC, o MPT requer a concessão de medida liminar para que a Seara reintegre imediatamente todos os trabalhadores indígenas, dispensados pela demandada no mês de maio de 2020, com ressarcimento de todas as verbas salariais relativas ao período de afastamento; e, logo após a reintegração, os trabalhadores deverão ser afastados até o final da pandemia, sem prejuízo dos salários. Em acréscimo, o MPT requer que a Seara se abstenha de realizar novas dispensas discriminatórias de trabalhadores indígenas e gestantes, especialmente durante a pandemia de Covid-19.

Em definitivo, o MPT pede a condenação da Seara a pagar indenização a título de dano moral coletivo no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), bem como indenização adicional de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) pela prática de violação à ordem econômica decorrente de dumping social, uma vez que a dispensa em massa de trabalhadores vulneráveis, realizada ao arrepio de normas nacionais e internacionais, confere uma vantagem competitiva à Seara em relação aos agentes econômicos que arcam com maiores custos operacionais, exatamente por observarem as determinações normativas violadas. O MPT pede também o pagamento de indenizações individuais por danos morais (R$ 50.000,00 – cinquenta mil reais) em favor dos trabalhadores dispensados.

Se os pedidos do MPT forem acolhidos pela Justiça do Trabalho, os R$ 10 milhões serão integralmente revertidos para a melhoria das condições de vida de toda a população da Terra Indígena Serrinha, mediante investimentos em equipamentos públicos para fruição da comunidade, saneamento, educação, saúde, moradia.

Por fim, o Ministério Público do Trabalho pede a aplicação à Seara da “proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais”, sanção prevista no art. 3º da Lei no. 9029/95.

Sobre o Grupo JBS

O Grupo JBS, que conta com mais de 90 mil empregados no Brasil, é uma das maiores processadoras de proteína animal do mundo, com lucro líquido de 6 bilhões de reais em 2019.

Presente em 15 países, a JBS conta com mais de 400 unidades de produção e escritórios em cinco continentes – Américas, Ásia, Europa, África e Oceania –, que atendem mais de 275 mil clientes em 190 nações ao redor do mundo.

A petição inicial da Ação Civil Pública está disponível aqui.

A decisão da Justiça do Trabalho está disponível aqui.

 


Fonte:

Assessoria de Comunicação MPT-SC

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