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Colunistas

Amizades, Memórias e Partidas

Crônica em homenagem a Paulo Mattevi e César Bernardi, que partiram precocemente deste mundo.

Éder Luiz

Éder Luiz

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Texto escrito pelo produtor cultural Omar Dimbarre

Os ventos soprados pelo tempo, que trazem comportamentos e culturas capazes de moldar décadas, chegaram à metade dos anos 80 como um tsunami esculpindo pensamentos, ideias e ideais.

As rádios foram inundadas pelo rock  nacional, tocando incansavelmente Legião Urbana, RPM, Barão Vermelho, Os Paralamas  do Sucesso, Titãs, Lobão, Cazuza, Rita Lee, e Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens, além de tantas outras bandas e músicos que explodiram e marcaram profundamente o período.

"With or Without You", da banda irlandesa U2, lançada em 1987 no álbum The Joshua Tree, tocava exaustivamente, abrindo caminho para que a banda repetisse no Brasil o sucesso que estava conquistando lá fora. A eles se juntavam os grandes ícones do momento, liderados por Madonna e acompanhados por nomes do rock alternativo como The Cure e The Smiths.

O cinema vivia uma época de efervescência, com títulos que marcaram uma geração, como 'De Volta para o Futuro', 'Curtindo a Vida Adoidado', 'Top Gun - Ases Indomáveis', 'Atirando para Matar', 'Os Intocáveis', Máquina Mortífera ' e 'Platoon'.

Ainda vivíamos a era dos discos de vinil, os famosos bolachões, e foi nesse período de efervescência cultural que um grupo de amigos se uniu e passou a compartilhar alegrias, sonhos, conhecimento, aventuras e músicas. Conseguir um bolachão de uma das bandas de rock favoritas não era tarefa fácil; então, compartilhávamos também nossos discos. Conhecíamos e aprendíamos juntos.

A amizade era tão forte que se tornava irmandade. Éramos irmãos que, muitas vezes, dividíamos o  que tínhamos. Se um de nós não tinha dinheiro para ir tomar uma cerveja junto, quem tinha pagava. Queríamos estar juntos, curtir o momento juntos, moldar nossas vidas juntos.

Paulo e Omar.

Esse grupo era formado por mim, César Bernardi — ou Césinha —, Paulo Mattevi, João Araújo dos Santos — o Joãozinho da Fonte Viva —, Edmilson Zanini — conhecido como Misso — e Paulo Schneider.

Foram inúmeros sábados marcados por encontros à beira da churrasqueira na casa do Misso, ouvindo muito Neil Young, Bob Dylan, Pink Floyd, Led Zeppelin e Jethro Tull. Encontros regados a muito bate-papo sobre música, sobre “aventuras” particulares, sobre coisas do nosso dia a dia.

Realizávamos sessões na casa do Joãozinho para assistirmos a 'Sem Destino', 'Pat Garrett & Billy the Kid' — com nosso ídolo Bob Dylan no elenco —, ou o filme-concerto 'Pink Floyd: Live at Pompeii'.

E foi nessa época que vivenciei a maior aventura da minha vida. No feriado de 12 de outubro de 1988, eu, Paulo Mattevi (na direção), Misso e César Bernardi fizemos da estrada o caminho para nossa jornada inesquecível. Partimos em direção a Florianópolis, com nosso roteiro turístico passando pela belíssima Serra do Rio do Rastro. Ainda não conhecíamos o local e descemos a serra com a escuridão da noite ofuscando nossos olhos já cansados e dormimos aos pés das montanhas.

No amanhecer do dia seguinte, subimos toda a serra para, então, poder apreciar a beleza do local. No alto, se formaram nuvens, e por alguns instantes estávamos literalmente no meio delas. Foi um momento mágico, com os quatro viajantes sentados um ao lado do outro, vivendo um momento onírico, em que parecíamos compartilhar o mesmo sonho.

No segundo dia, a aventura se estendeu pelas dunas ao redor do Farol de Santa Marta, em Laguna. Em meio a tanta areia, voltamos à nossa infância, brincando, caindo, levantando e correndo. Cansados, ao cair do sol, retornamos ao nosso acampamento à beira-mar. No dia seguinte, levantamos cedo, quando ainda a escuridão se fazia presente; caminhamos pela areia, depois fomos tomar um café e partimos para a capital catarinense, onde, durante dois dias, curtimos suas praias.

Misso, Cesar e Omar

No quinto dia, antes de seguirmos pela BR de volta às nossas origens, passamos pelo Shopping Itaguaçu, em São José, para vislumbrar discos em uma loja especializada em som, entre eles um vinil raro do Bob Dylan, que o Paulo e o César ouviram com um fone de ouvido, mas não lembro qual. Após essa sessão musical, encerramos nossa estadia no litoral, entramos no carro e, no dia 16 de outubro, um domingo ensolarado, retornamos.

No dia 28 de janeiro de 1993, esse grupo de amigos sofreu o primeiro baque e se despediu de um de seus integrantes. O Césinha partiu deste mundo, deixando um vazio, uma saudade imensa; e agora, no dia 7 de junho, nosso amigo Paulo Mattevi seguiu o mesmo caminho, abrindo novamente a ferida. Não podemos mudar o destino, mas as lembranças de um tempo em que compartilhamos nossas vidas, nossos sonhos e nossos ideais permanecerão vivas até chegar o nosso momento de também partir e nos reunirmos novamente.

E sempre que o acorde de uma música do Neil Young, Bob Dylan, Pink Floyd, Led Zeppelin ou Jethro Tull ecoar, as imagens daquele tempo em que fizemos de nossa amizade um caminho para vislumbrar a beleza da vida, estarão sempre vivas em nossas lembranças.


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