BRF é condenada a pagar R$ 150 mil por negar socorro a funcionária em trabalho de parto; bebês gêmeos morreram
Empresa recorre e diz que não comenta casos jurídicos em andamento, mas criou comitê para apurar o caso

A 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Lucas do Rio Verde (MT), a 360 km de Cuiabá, condenou a empresa de alimentos BRF —dona das marcas Sadia e Perdigão— a pagar R$ 150 mil de indenização por danos morais a uma funcionária que perdeu as filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto em um frigorífico.
O juiz Fernando Galisteu entendeu que houve omissão e negligência da multinacional, após o processo indicar que o supervisor da trabalhadora —uma imigrante venezuelana— teria impedido que ela deixasse o posto para não atrapalhar o funcionamento da linha de produção.
A BRF, que recorreu da decisão, afirma que não comenta processos judiciais em andamento, mas criou um comitê multidisciplinar para apurar o caso.
"A BRF informa que possui uma política de apoio a gestantes, com um programa implementado desde 2017, que oferece suporte às mães em todas as fase da gestação. De adesão voluntária das colaboradoras e com uma equipe técnica dedicada, a iniciativa acompanhou, apenas no último ano, 2.200 colaboradoras", afirmou à Folha.
A Justiça reconheceu ainda a rescisão indireta do contrato de trabalho, situação na qual o trabalhador "demite" o empregador, garantindo a ela verbas rescisórias como aviso-prévio indenizado, 13º salário, férias, acesso ao saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) com multa de 40% sobre o valor e seguro-desemprego.
O caso ocorreu em abril de 2024. Segundo o processo, a trabalhadora, com oito meses de gestação de gêmeas, começou a sentir-se mal por volta das 3h40, no início de sua jornada, com dores, náuseas, tontura e falta de ar.
O relato indica que ela teria pedido socorro inúmeras vezes à líder imediata e ao supervisor, que a manteve no local devido à dinâmica da linha de produção.
Segundo o MPT (Ministério Público do Trabalho), que representou a imigrante, com o agravamento do quadro, ela teria feito novo pedido de socorro, que foi negado. Sem conseguir esperar mais, deixou o setor e deu à luz a primeira filha por volta das 6h40, no ponto de ônibus onde esperava uma condução para ir ao médico. A bebê morreu em seguida. Minutos depois, o mesmo ocorreu com a segunda gêmea.
Em sua defesa, a empresa afirmou no processo que o parto teria ocorrido fora de suas instalações e disse que a trabalhadora recusou atendimento no setor médico do frigorífico, defendendo que a negligência seria da venezuelana.
Gravações de câmeras internas apresentadas pela própria defesa, no entanto, mostraram que o parto ocorreu nas dependências do frigorífico.
Testemunhas da defesa disseram que a gestante não teve acesso ao SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho), previsto em norma interna da empresa.
O enfermeiro responsável pela área médica confirmou que o protocolo de atendimento não foi seguido e a técnica de saúde no local afirmou que não recebeu nenhuma ligação informando sobre a situação.
Para o juiz, houve tempo suficiente para o socorro, o que o levou à conclusão de que houve "ofensa de natureza gravíssima, com intensidade de sofrimento e humilhação inegáveis".
Ao fixar a indenização em R$ 150 mil, foram considerados a exposição da trabalhadora a sofrimento físico e emocional extremo em local público, à vista de colegas, e a ampla repercussão do caso na imprensa.
A advogada Flávia Polycarpo, sócia do Polycarpo Advogados, afirma que a decisão está tecnicamente bem fundamentada comprovando caso "grave envolvendo dano moral".
"No âmbito do TST, é possível vislumbrar uma tendência à majoração da indenização, especialmente diante da gravidade dos fatos", diz. O motivo seria a aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, que leva em consideração questões como o fato de que a funcionária é imigrante, mulher e gestante.
O juiz da causa já considerou o protocolo e também citou, em sua decisão, a Constituição Federal e tratados internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho), destacando que as normas relativas à saúde e segurança no trabalho são de ordem pública, de observância indispensável e com prioridade absoluta.
A sentença aplicou ainda as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, elaborado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho). O juiz ressaltou que a autora da ação é imigrante, mulher e gestante, reunindo camadas de vulnerabilidade que exigem maior diligência do empregador.
A empresa recorreu ao próprio TRT e aguarda decisão.
A BRF é a maior produtora brasileira de frango. A multinacional está em processo de incorporação de ações de outra gigante de alimentos, a Mafrig. Com a operação, a empresa vai se tornar uma subsidiária integral da Marfrig, que tem foco em carne bovina e parte de suas operações nos Estados Unidos e no Brasil.
Segundo as empresas, a transação dará origem à MBRF, um negócio global do setor de carnes e alimentos processados com receita de R$ 152 bilhões ao ano.
A multinacional, por meio de sua marca Sadia, tem investido em campanhas publicitárias focadas na valorização da figura materna.
Neste ano, a Sadia lançou uma campanha especial para o Dia das Mães intitulada "Ser mãe é ouro". A iniciativa teve como protagonistas a ginasta Rebeca Andrade e sua mãe, Rosa Santos.
A narrativa inclui a história de Rosa Santos, que criou oito filhos, ressalta os desafios da maternidade e a importância das mães na vida de seus filhos com o slogan "Para um filho, toda mãe é ouro".
O publicitário Alexandre Peralta, sócio da Peralta Creatives, estima que a campanha custou em torno de R$ 20 milhões. A campanha foi assinada pela Africa Creatives, da qual Peralta foi sócio e diretor criativo. "Considerando mídia e produção, sem incluir o cachê da Rebeca", diz.
Nas redes sociais, a BRF também afirma estar "entre as maiores empregadoras de imigrantes e refugiados no Brasil, com mais de 11,5 mil estrangeiros atuando em nossas operações".
Fonte: Folha
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