Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo: experimentação, afeto e caos organizado no cenário independente brasileiro
Com um nome provocativo e um som que desafia rótulos, banda mistura rock experimental, canção brasileira e atitude política em cada acorde
Pedro Silva
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O nome é longo, irônico e inesquecível. Mas o que move a banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo vai além do impacto inicial. É atitude, é manifesto, é som que não se encaixa em gênero, mas que encontra espaço em quem está disposto a ouvir o novo.
Com influências que vão de Caetano a Negro Leo, de Radiohead a sons eletroacústicos do Líbano, a banda paulistana formada por Sophia Chablau, Téo Serson, Theo Ceccato e Vicente Tassara é destaque da estreia da nova série do Portal Éder Luiz, que a partir desta semana vai apresentar bandas brasileiras do underground com som autoral e muita personalidade.
“Viramos uma banda sem nem perceber”
A formação do grupo foi um acidente feliz. Os quatro integrantes já haviam tocado juntos em outras bandas, na adolescência. Mas foi só em 2018, após uma aproximação como amigos, que a banda nasceu de verdade.
“A Sophia, com uma nova leva de canções e um show marcado no Rio, chamou Theo, Téo e Vicente para ser a banda desse show. Em alguns dias de ensaio tínhamos um repertório. Viramos uma banda sem perceber.”
O nome da banda carrega um posicionamento claro. Apesar do tom humorado, não é piada.
“Não é e nunca foi sarcasmo. Queríamos nos insurgir contra esse mundo obcecado por produtividade. Convidar as pessoas a perder a noção do tempo, a se passar um pouco no improdutivo. É um nome político.”
Intuição, referências e um som que desafia rótulos
Definir o som da banda é uma missão difícil — e isso é ótimo. As músicas transitam entre o caos e a calmaria, a distorção e a doçura. É o tipo de banda que parece ter sido criada para desafiar classificações.
Eles mesmos explicam: “A gente gosta muito tanto da canção brasileira como do rock experimental. Quando sentamos pra tocar, tudo é muito intuitivo. A gente faz o que gosta.”
Essa liberdade sonora não vem à toa. O grupo carrega uma paleta de influências que mistura nomes como Radiohead, Negro Leo, Caetano Veloso, Mutantes, Velvet Underground e Karina Buhr, além de referências mais obscuras, como o coletivo Sanam ou a banda africana Etran De L’air.
Confira a música "Quem vai apagar a luz", música gravada com participação de Negro Leo:
Mais recentemente, Sophia mergulhou em obras que cruzam canção e experimentação em níveis ainda mais profundos.
“Tenho escutado muito o Delta Estácio Blues da Juçara Marçal, o Circuladô do Caetano, e mergulhado na música experimental libanesa”, conta.
Entre as descobertas, ela destaca o disco The Dome Sessions, gravado numa obra inacabada de Niemeyer em Trípoli, e a coletânea Anthology of Electroacoustic Lebanese Music.
Essas influências tão diversas não aparecem de forma literal nas faixas, mas estão todas ali, escondidas entre harmonias inesperadas, arranjos complexos e letras que misturam provocação e lirismo.
🎙️ Uma história contada em dois discos
Desde o começo, a banda entendeu que o som não é só sobre tocar bem, mas sobre pensar cada detalhe — e isso ficou claro já no primeiro disco, lançado em 2021 com produção de Ana Frango Elétrico.
“A Ana foi uma referência desde os primórdios. Produzir com ela abriu o caminho pra gente entender o cuidado que existe na construção sonora de um disco como um todo”, contam.
O álbum de estreia mostrou ao público uma banda cheia de camadas, que brincava com timbres e estruturas com coragem.
Confira o álbum inteiro no vídeo abaixo:
Mas foi em Música do Esquecimento, de 2023, que a banda deu um passo além. O disco nasceu entre encontros espaçados, em meio à pandemia, e reflete um momento mais introspectivo e denso.
“As músicas puxavam para outro lugar, menos solar, mais sombrio”, explicam. A escolha de trazer o pianista e produtor Vitor Araújo foi natural. “Ele tem um som experimental, erudito e ao mesmo tempo melódico. Trouxe arranjos que somaram muito com a proposta do disco.”
A composição das músicas parte de ideias individuais — geralmente trazidas por um dos integrantes — e ganha corpo nos ensaios, onde os arranjos tomam forma coletivamente. “É nessa troca que a coisa vira banda”, resumem.
Confira o álbum "Música do Esquecimento" abaixo:
O rolê como resistência
Fora do estúdio, a banda carrega a mesma energia criativa. Seus shows têm ares de performance, com caos organizado, improvisos e uma forte conexão com o público. Mas o mais importante, para eles, é o espaço onde tudo acontece: o circuito independente.
“Os rolês alternativos, sejam em casas de show ou nas ruas, são o coração da música brasileira. É ali que tudo acontece — e por isso mesmo são espaços que muitas vezes sofrem repressão.”
Entre os episódios marcantes da trajetória, está uma apresentação ao lado de dois percussionistas do Rajastão em um festival na França. “A gente não falava a mesma língua, mas nos comunicamos pelo som — e funcionou.” Também viveram momentos tensos, como a recente censura por parte da Prefeitura de São Paulo. “Mas seguimos. Conhecemos muita gente por aí. Isso é o mais legal.”
E o que vem por aí?
Desde 2022, a banda não parou. Desde 2024, o foco tem sido a turnê por cidades da região Norte. Tocaram em Porto Velho, Manaus e, em setembro, se apresentam no festival Se Rasgum, em Belém. “Viajar pra tocar é das coisas que a gente mais ama fazer”, dizem com entusiasmo.
E 2025 promete ainda mais movimento. “Ainda não podemos revelar muita coisa, mas o ano que vem deve ser bastante movimentado pra gente…”
Ouvir como quem vê algo novo
Para quem ouve Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo pela primeira vez, o que eles esperam é simples — e ousado:
“O sentimento de ter visto algo diferente. Que é o que eu sinto quando escuto os meus sons mais malucos.”
Se a proposta é perder tempo, que seja com algo que valha a pena.
Acompanhe a banda!
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Nas próximas terças e quintas, o Portal Éder Luiz vai apresentar outras bandas que estão movimentando a cena independente com criatividade, liberdade e som autoral de verdade. Prepare-se para conhecer nomes como Tangolo Mangos, Pelados, Tagore, Exclusive Os Cabides e muitos outros que fazem a música brasileira pulsar fora dos holofotes.
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