Colunistas

Um Conto de Cinema – Uma Viagem na Imaginação

O vento murmurava baixinho sobre as folhas das árvores, enquanto no alto as nuvens negras que cobriam o céu iam aos poucos abrindo passagem para que a lua entrasse em cena. As águas do rio que serpenteavam sobre o vale carregavam um barco de madeira rústica, que balançava suavemente e era manejado por mim, que trajava uma calça jeans e uma jaqueta amarela de poliéster.

Olhei para a beira do rio e avistei dois homens de ternos pretos, bastante parecidos, usando bigodes, bastante sérios, me observando. O que queriam afinal ?

Fui varrendo com meu olhar tudo que estava ao meu redor e com os ouvidos captando qualquer ruído, como se estivesse sempre à espreita de que um animal selvagem saltasse da mata que margeava o rio. Uma sinfonia tocada por centenas de grilos quebrava o silêncio do lugar.

Próximo à embarcação que me acomodava, avistei uma pedra cinza-escura e enrugada. Aproximei-me para ver melhor o que era. Tinha cavidades na parte superior que lembravam olhos, uma saliência no centro em formato de nariz e uma área protuberante na parte inferior que parecia um queixo, além de uma grande abertura em formato de boca sorridente. Evocava uma máscara primitiva, um artefato arqueológico, ou um rosto esculpido durante milhões de anos pela natureza. Ela emergiu entre a luz que refletia os raios lunares.

Um sentimento misto de fascínio e medo tomou conta de mim. O que seria aquilo? Os dois homens haviam desaparecido no ar. Teria sido deixado por eles, para que eu a encontrasse? Entre receio e curiosidade, apanhei aquela pedra estranha e a trouxe para dentro do barco. Os grilos cessaram sua cantoria, a lua voltou a ser encoberta pelas nuvens e a escuridão foi tragando completamente o ambiente, até tudo desaparecer à minha volta.

Creio que por alguns minutos perdi os sentidos. Quando voltei a mim, não estava mais no mesmo local. A paisagem ao meu redor era árida e lembrava um deserto africano, com várias rochas compondo o cenário. O céu era azul, sem nenhuma pincelada de nuvem, e um sol escaldante, com raios atingindo o solo arenoso, entrecortado por grandes rochas.

Ouvi ruídos e, intrigado, mas receoso do que poderia estar me esperando, escalei lentamente uma das pedras. No alto, avistei uma tribo de macacos, ou melhor, de homens-macacos. Alguns, curvados, cavavam com as mãos em busca de algo — talvez raízes para se alimentarem —, enquanto outros bebiam água num pequeno poço, um oásis em meio àquele lugar inóspito. Do outro lado de onde me encontrava, uma outra tribo surgiu à espreita, caminhando com uma postura curvada de forma bastante desajeitada. Entre pulos, grunhidos e o balançar dos braços, os invasores foram afugentando os que bebiam água, até não sobrar nenhum. Em seguida, tomaram posse do poço.

Cena do 2001 – Uma Odisseia no Espaço

Assustado com o que havia presenciado e temendo ser descoberto por uma daquelas criaturas, agachei-me e procurei controlar a pisada dos meus pés, caminhando lentamente, apesar da aflição que tomava conta de mim e da vontade de sair correndo. Mas consegui sair sem ser visto.

Enquanto me retirava, um bloco preto retangular opaco, tal qual um paralelepípedo, surgiu à minha frente como em um passe de mágica. Um objeto estranho àquele mundo primitivo. Observei-o com curiosidade, mas, ao começar a ouvir grunhidos se tornando cada vez mais próximos, segui adiante. Deparei-me com outro hominídeo em frente ao esqueleto de um grande animal. Ele estava tão concentrado em seus pensamentos que não se importou com a minha presença. Apanhou um osso grande, provavelmente o da perna, e começou a manuseá-lo, batendo em outros ossos. Nesse momento, encontrou uma arma capaz de combater seus rivais e, delirando com sua descoberta, atirou o osso ao alto com eloquência.

Meu olhar de viajante no tempo seguiu o rumo daquela ferramenta natural enquanto ela alçava voo e, em seguida, se perdeu, transportando-se rumo ao infinito. Acabei caindo em um lugar completamente desolado, silencioso, cinzento e cheio de buracos. Estupefato, arregalei meus olhos: eu estava na  superfície lunar. Milagrosamente, eu conseguia respirar e resolvi explorá-la. Senti-me muito leve, quase como uma pluma, e, ao tentar dar um passo, fui lançado para cima. Flutuei como se voasse e, como se estivesse em câmera lenta, fui retornando ao chão. Então, lembrei-me das cenas de Neil Armstrong e de seus saltos lentos que vi na minha infância, quando o homem chegou à lua pela primeira vez.

Comecei a dar pequenos pulos e fui seguindo em frente, sentindo-me como Ícaro, embriagado pela liberdade de poder voar e de escapar das amarras que me impunham limites. Para minha surpresa, seis homens, usando chapéus, longos casacos e empunhando guarda-chuvas nas mãos, surgiram em meu caminho. Eles eram liderados por um senhor de barba longa, que se apresentou como astrônomo, professor Barbenfouillis, e me convidou para integrar a expedição que tinha vindo até a Lua para desvendar seus segredos.

Aceitei a proposta e fui acolhido como membro da caravana. Enquanto desbravávamos mistérios ocultos entre as crateras que compõem o relevo lunar, descobrimos uma colônia de cogumelos gigantes. Diferentemente do que os livros contam, havia vida em nosso satélite natural. Enquanto confabulávamos sobre o que nos tinha sido revelado, criaturas alienígenas — humanoides com aparência de insetos gigantes — surgiram de repente, como se estivessem saindo de tocas. Saltando e realizando acrobacias, atacaram nosso grupo, que se defendeu transformando seus guarda-chuvas em armas.

Capturados, fomos levados até seu rei, mas lutamos bravamente contra o exército e conseguimos fugir até a cápsula que nos traria de volta ao nosso planeta.

Tão logo iniciamos nosso retorno, quase colidimos com o gigantesco Superdestróier Estelar, a nave-almirante Executor, uma das mais poderosas do Império Galáctico. Liderando a frota imperial em busca da Aliança Rebelde, Darth Vader, nos confundiu com integrantes da resistência e abriu fogo com seus canhões de turbolaser e mísseis de concussão.

Quase nos acertaram, mas conseguimos escapar, concluindo nossa jornada espacial. A cápsula se evaporou ao chegar à Terra, e acabei caindo no meio de um baile. No palco, Marty McFly realizava uma eletrizante performance, tocando ‘Johnny B. Goode’.”

Marty McFly em De volta para o Futuro

Acreditei que tinha encontrado uma forma de voltar ao presente: pegar uma carona com Marty McFly. Corri para a frente da Torre do Relógio e, sem que Doc Brown visse, entrei no DeLorean, escondendo-me no banco traseiro. Uma forte tempestade começou, até que um raio atingiu a torre e a sua energia foi canalizada para o carro.

Viajamos para a fantástica década de 1980. Durante a viagem no tempo, fui arremessado do DeLorean e acabei caindo dentro do Cine Avenida, em Joaçaba, encontrando-me com o meu eu daquela época na plateia, que assistia, extasiado, ao filme “De Volta para o Futuro”.

Resolvi ir conversar comigo na minha juventude. Queria me dar alguns conselhos: dizer para tomar mais cuidado com certas coisas e viver outras mais intensamente.

Mas, quando  cheguei ao meu lado e iniciei a conversa, passando algumas dicas para um rapaz completamente assustado  por ter se deparado com seu futuro, um paradoxo temporal foi criado.

O universo precisou corrigir a anomalia para evitar uma catástrofe. Ao tentar controlar o tempo, um loop temporal aconteceu e fui arremessado ao passado. Desembarquei em meio a uma multidão coberta por chapéus que se empilhava em uma praça de uma grande cidade, reunida para inaugurar um monumento com três estátuas, no inicio da década de 1930. Quando o pano foi ao chão, um vagabundo de bigodinho, usando um casaco velho e surrado, calças largas, sapatos grandes, chapéu-coco e uma bengala de bambu, dormia tranquilamente no colo de uma das figuras esculpidas.

Tentei me aproximar para falar com aquele homem que aparentava tanta inocência, e mesmo em meio ao caos que se instalou, tentava descer calma e desajeitadamente. Mas, não deu tempo de conhecê-lo. O loop temporal foi corrigido e fui sugado de volta para o presente, retornando ao barco que balançava nas águas do rio. A pedra com formato de rosto, que parecia saída de um filme do Indiana Jones e me levou por toda essa aventura, se evaporou.

Talvez levada pelo espírito do mais famoso arqueólogo da sétima arte, nascido em 1899 e eternizado em seus filmes. Com uma sede infindável de aventuras, o seu espirito vaga por aí, atrás de artefatos que ainda não foram descobertos.

Os dois homens estavam novamente lá, mas já não estavam sérios. Os seus rostos ostentavam largos sorrisos. Olharam para mim e acenaram e, nisto, subitamente, eu despertei.

Um vento estranho me envolveu e trouxe consigo uma foto, surgida do nada. Ou, talvez, de tudo: da paixão imensa que sinto pelo cinema. Era dos dois homens que me observavam na beira do rio: Os Irmãos Lumière.

Este texto é uma homenagem ao cinema, e utiliza como referências:

– 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) – Diretor: Stanley Kubrick

– Viagem à Lua (1902) – Diretor: Georges Méliès

– Star Wars: O Império Contra-Ataca (1980) – Diretor: Irvin Kershner.

– De Volta para o Futuro (1985) – Diretor: Robert Zemeckis

– Luzes da Cidade (1931) – Diretor: Charlie Chaplin

– Indiana Jones (franquia, 1981-presente) – A franquia foi criada por George Lucas e, em sua maioria, dirigida por Steven Spielberg (4 filmes). O filme mais recente, “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” (2023), foi dirigido por James Mangold.

– Irmãos Lumière -Os irmãos Auguste (1862-1954) e Louis Lumière (1864-1948) foram os inventores do cinematógrafo e os responsáveis pela primeira sessão pública e comercial de cinema da história, em 28 de dezembro de 1895.

Nessa sessão, eles exibiram vários curtas, e o mais famoso foi “A Chegada de um Trem à Estação”, que ficou lendário por ter assustado a plateia. No entanto, o primeiro filme exibido naquele dia foi “A Saída dos Operários da Fábrica Lumière”.

Omar Dimbarre é produtor cultural, colecionador de cartazes originais de cinema, minerais e fragmentos de meteoritos. É apaixonado por artes — especialmente música e cinema —, fascinado pela natureza e por histórias populares, desenvolvendo projetos que visam recuperá-las.

Omar Dimbarre

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