Um Sonho Impossível Realizado! Quando o Cinema Abraçou mais de 1.300 Crianças!
Um Sonho Impossível Realizado! Quando o Cinema Abraçou mais de 1.300 Crianças em Joaçaba numa iniciativa, promovida por Omar Dimbarre.

Alguns sonhos parecem tão difíceis de se realizar que acabam se tornando impossíveis — e, por isso, nunca são sonhados. Soam tão inalcançáveis quanto entrar em um DeLorean, correr a 142 quilômetros por hora, ativar o capacitor de fluxo e, junto com Marty McFly, viajar no tempo. Mas, desta vez, não para o ano de 1955, nem para a cidade de Hill Valley.
Desembarcaríamos no ano de 1971, em Coronel Vivida, uma pequena cidade do sudoeste do Paraná, em um casarão de dois andares que abrigava o cinema local.
Na plateia, um menino franzino de seis anos de idade, com o olhar conduzido pela ação que se desenrolava na grande tela branca. Às vezes, seus olhos brilhavam, acompanhando a felicidade irradiada por um largo sorriso ou risada; outras vezes, marejavam, enquanto ele, apreensivo, torcia pelos mocinhos do filme.
Sentada ao seu lado, seu porto seguro durante anos e anos: sua saudosa mãe. O filme exibido era A Marca da Ferradura, estrelado por Tonico e Tinoco, dupla caipira muito popular na época, reverenciada por ela.
O longa-metragem combinava elementos do faroeste com a cultura rural brasileira, caracterizando-se como um "faroeste caboclo". A narrativa incorporava temas como justiça, vingança e luta contra a opressão, ambientados no sertão paulista, e algumas imagens desse dia, perdido no passado, jamais abandonaram minhas lembranças.
Fazem parte das minhas memórias afetivas. Marcaram tanto minha infância e, consequentemente, minha trajetória neste mundo, que permanecem lá, guardadas até o momento em que minha história receber seu ponto final.
Proporcionar a mais de 1.300 crianças essa emoção que foi tão marcante para mim, a ponto de criar profundas raízes nas minhas memórias, me parecia tão impossível quanto voltar no tempo e revivê-la.

E tudo começou onde tinha que começar: dentro de uma sala de cinema. Em janeiro deste ano, fui ao Cine Gracher assistir a Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa. Uma viagem à infância, lá pelos idos de 1975, 1976, quando eu colecionava gibis e Chico Bento era um dos personagens que ganhavam vida nas páginas devoradas pelos meus olhos.
Enquanto acompanhava o “causo” contado pelo caipira mais amado do Brasil, fiquei tão fascinado pela história, que comecei a misturar imagens fantasiadas pela minha mente: um estádio de futebol lotado de alunos das escolas públicas municipais de Herval d’Oeste, eufóricos, acompanhando as aventuras do menino Chico projetadas em um imenso telão instalado na frente das duas traves do gol, com as imagens que ganhavam vida na tela grande da sala do cinema.
Como se, naquele momento, eu embarcasse novamente em um DeLorean, mas agora atravessando a fronteira do tempo ainda não transcrito e, com o dom de moldar meu sonho, desembarcaria para construir o meu futuro.
Saí da sala de cinema radiante com a ideia de ver tantas crianças tendo a oportunidade de viver a mesma experiência que eu acabara de viver. Como se, de alguma forma, eu pudesse, naquele instante, controlar o tempo, misturando passado, presente e futuro — e transformando o resultado dessa mistura em uma realidade capaz de proporcionar para todas aquelas crianças um dia que criasse raízes profundas em suas memórias. Um dia tão marcante, tão iluminado, que seria lembrado eternamente com muito afeto, pois, assim como para mim, também faria parte de suas memórias afetivas.
Memórias afetivas dão sentido à nossa vida. São elas que nos fazem voltar no tempo e ter certeza de que a nossa vida valeu muito a pena.

Após conversar com todos os diretores das escolas públicas municipais de Herval d'Oeste, que apoiaram a realização do evento, recebi, durante a negociação com a Paris Filmes — distribuidora do filme do Chico Bento — a informação de que, por motivos contratuais, as exibições públicas da obra estavam proibidas. Fiquei sem filme para exibir e, sem chão, sem saber o que fazer.
Mas, como nenhuma história está previamente escrita, subitamente, como se todo o Universo conspirasse para que um sonho jamais sonhado se tornasse real, a jornada, que parecia ter se perdido em seu trajeto, inesperadamente tomou outro rumo.
Aborrecido com o desenrolar dos acontecimentos e querendo acalmar os ânimos, resolvi refrescar a cabeça indo ao Cine Gracher.
Então, como se alguém tomasse as rédeas da realidade e abrisse um portal, no qual o impossível fosse, aos poucos, ganhando forma até se tornar real, fui guiado pela funcionária Juliana e, durante a conversa com a gerente Eliete, expus minha vontade de exibir um filme para as crianças das escolas públicas municipais da minha cidade.
E a mágica acabou acontecendo: o roteirista da minha história, festejando, embriagado em sua euforia, tropeçou em seus devaneios, se perdeu no seu sonho, e o estádio se transfigurou em sala de cinema.
A Eliete, como representante do Cine Gracher, foi fundamental para que o projeto se tornasse viável, sendo extremamente compreensiva nas decisões que precisamos tomar em conjunto.
Com muita vontade de dar vida a todas aquelas imagens que pulsavam freneticamente em minha mente, eu tinha energia suficiente para enfrentar os desafios que surgiriam, mas faltava o dinheiro para pagar as sessões para todas aquelas crianças.
Apelei para a solidariedade das pessoas. A construção de um mundo mais humano, justo e inclusivo só é possível se formos, de fato, mais humanos, justos e inclusivos. Criei uma Vakinha online, onde quem quisesse ajudar a transformar um dia na vida de mais de 1.300 crianças, pudesse contribuir com valores a partir de R$ 5,00 — o preço de qualquer coisa trivial. Bastava abrir mão de algo que pouco representasse em sua vida, para ajudar a criar um momento especial na vida de todas aquelas crianças.
Lançamos a campanha na manhã do dia cinco de abril, no Portal Éder Luiz. Ao meio-dia, eu, o diretor Jorge Adriano dos Santos, do Grupo Escolar Municipal Professor Adolfo Becker, e a diretora Rosemilda Rampon, da Escola Básica Municipal Cruz e Sousa, participamos do programa No Campo das Ideias, comandado pelo jornalista Carlos Henrique Roncalio, na Rádio Catarinense. Enquanto o programa estava no ar, conseguimos arrecadar uma quantia generosa. Somada ao que estava entrando na vakinha, em função da publicação da matéria no Portal Éder Luiz, acreditei — ilusoriamente — na tarde de sábado, que fecharíamos facilmente o valor necessário para pagar as despesas no Cine Gracher.

No domingo de manhã, percebi que a realidade não era aquela imaginada no dia anterior. Na segunda-feira, já sabia que, se eu não tomasse uma providência drástica, não conseguiríamos arrecadar o valor necessário, pois as pessoas que estavam se mostrando solidárias eram muito poucas. Além disso, havia muita coisa a ser resolvida e, se eu focasse em outras questões, corria o risco de não conseguir solucionar o que fosse preciso — e, portanto, não transformar o projeto em realidade.
Desliguei-me de quase tudo que não estivesse ligado ao evento. Parei de escrever os textos para o Portal Éder Luiz, interrompi leituras que não tivessem relação com o meu propósito e abandonei os grupos do WhatsApp — inclusive o que eu mesmo comandava.
Mergulhei de cabeça no meu ideal. Nada mais me importava. Andei quilômetros e mais quilômetros, subi e desci os morros de Herval d’Oeste e Joaçaba, não sei ao certo quantas vezes. Ao mesmo tempo em que trocava ideias com todos os diretores das escolas, conversava com a Eliete, gerente do Cine Gracher, sobre a melhor forma de realizarmos todas as sessões necessárias.
Respirei e transpirei o projeto. Houve dias em que me senti tão exausto física e mentalmente que cheguei a dizer que estava no meu limite. Mas nunca houve limite. Na verdade, o meu limite só seria atingido depois que tudo aquilo acontecesse, tamanha era a minha vontade de transformar a realidade. No dia seguinte, saltava cedo da cama, e, cheio de energia, ia à luta novamente.
Eu só tinha uma certeza: conseguiria a verba necessária para pagar o Cine Gracher, mesmo que, para isso, precisasse sair batendo de porta em porta. E resolveria tudo o que fosse necessário para garantir que tudo desse certo.
Na terça-feira, a Iara Tomaz, uma grande amiga nascida em Joaçaba e atualmente moradora de Blumenau, entrou em contato. Contei o que estava acontecendo. Estava bastante desiludido naquele dia.
A Iara abraçou a causa com fervor e, além da própria contribuição, conseguiu mais quatro doações de Blumenau, três de Balneário Camboriú e uma de Penha. Pessoas que não me conhecem, que não sabem da realidade de Herval d’Oeste, se impressionaram com o projeto e também decidiram abraçar a causa.
A partir de então, a arrecadação ganhou um novo fôlego e, com outras contribuições posteriores vindas de várias cidades, conseguimos fechar o valor necessário para pagar o Cine Gracher. A solidariedade, finalmente, prevaleceu, e foi através dela que um sonho, antes considerado impossível de ser realizado, se tornou possível.
A Secretaria de Educação, Cultura e Esportes de Herval d’Oeste foi responsável pelo transporte dos alunos e dos profissionais da educação.
O filme escolhido para ser projetado na tela grande foi o fascinante Flow, vencedor do Oscar de Melhor Animação deste ano, e que se tornou um fenômeno no mundo todo.
Flow narra a jornada de um gato solitário em um mundo pós-apocalíptico, submerso por uma grande inundação. Após perder seu lar, o felino encontra refúgio em um barco habitado por outros animais — uma capivara, um lêmure, um labrador e um pássaro-secretário ferido.
Juntos, eles enfrentam desafios, superam suas diferenças e se unem para sobreviver aos obstáculos que surgem em sua viagem. O filme transmite poderosas mensagens de solidariedade, amizade, união e respeito às diversidades, ensinando-nos a valorizar aqueles que são distintos de nós.
Ainda estava tentando conseguir contribuições para a Vakinha quando, enquanto buscava apoio online, bateram à porta da sala. Atendi e, para minha surpresa, um motoboy me entregou um presente enviado gentilmente pelo amigo Oneide Saticq. Ao abrir o pacote, fui surpreendido com algo muito bacana: uma camiseta estampada com a imagem dos cinco animais do filme Flow. A peça fez um grande sucesso entre os alunos, que, após assistirem ao filme, reconheceram a imagem — e muitos vinham até mim, pedindo se eu conseguiria arranjar uma para eles.
No dia 22 de abril, numa manhã esplendorosa de terça-feira, as primeiras crianças começaram a entrar no Cine Gracher. Havia algo celestial naquele momento. Foi, sem dúvida, um dos dias mais emocionantes da minha vida. Ver todas aquelas crianças felizes, seus olhinhos brilhando em frente à tela grande, seus rostos iluminados por sorrisos, fez valer cada segundo de empenho, fez valer cada gota de suor derramada enquanto meus passos me guiavam pela estrada, caminhando com destino ao único final que me interessava — e que, finalmente, havia alcançado.
Na manhã do primeiro dia, marcaram presença os amigos Éder Luiz, que estava registrando imagens para redigir uma matéria e produzir um vídeo para o Portal, contribuindo com a divulgação do evento, e Vilmar Sartori, que também fazia registros visuais com a proposta de realizarmos um documentário sobre o acontecimento. Vilmar ainda retornaria no início da tarde do segundo e do quinto dia para captar mais conteúdo.
O vídeo publicado por Éder no Instagram se tornou um marco: ultrapassou 50 mil visualizações e também está disponível no perfil oficial do Cine Gracher.
Havia uma certa magia espalhada pelo ar, que parecia querer abraçar tudo o que estava ao redor, conduzindo as coisas para que acontecessem no momento exato em que tinham que acontecer. Como se tudo estivesse conectado e ajustado para ocorrer em sincronização. Ainda no dia 22 de abril, um pouco antes do almoço, quando já estava em casa, prestes a preparar minha refeição, mais uma surpresa: recebi da Alpha Filmes, distribuidora de Flow, um cartaz original de cinema do filme. Já havia solicitado há algum tempo, mas ele chegou justamente no dia da estreia do evento — para deixar aquele dia ainda mais inesquecível.
Os dias que se seguiram foram marcados pelo encantamento causado por tantos sorrisos estampados em rostos infantis, pelos vibrantes aplausos ao final das sessões, por inúmeros abraços, pela empolgação dos alunos enquanto faziam o trajeto da escola ao cinema e por histórias emocionantes que iam nascendo e sendo contadas à medida que o evento se desenrolava.
Entre esses relatos, destaca-se o da vigilante escolar Magna de Azeredo, do Grupo Escolar Municipal Professor Adolfo Becker, que, pela primeira vez, entrou em uma sala de cinema e, emocionada, solicitou que todos os professores enviassem fotos e vídeos gravados durante a sessão. E é comovente o episódio do menino com esquizofrenia que, afastado por um momento das dores causadas por sua condição — tão presentes no seu dia a dia — assistiu ao filme serenamente e chegou emocionado à escola, contando o que havia vivido.
Também merece destaque a pequena aluna que, enquanto eu, após o término da sessão, explicava à plateia a mensagem deixada pelo filme, ergueu o braço pedindo para falar. Dei-lhe a palavra, e ela respondeu: “A mensagem do filme é que devemos respeitar as pessoas que são diferentes de nós!” Foi tão bonito ouvir isso de uma criança que não me contive: comecei a aplaudir e fui seguido pelas pessoas presentes na sala.
Na sexta-feira, dia 25, à tarde, recebi a agradável visita do amigo Bolinha. Em agradecimento à Eliete, por ter facilitado a realização do projeto, Bolinha, em um gesto muito bacana, presenteou-a com o livro do Centenário de Joaçaba.
Cerca de 1.370 alunos e 124 profissionais da educação participaram do evento.
A realização do projeto cumpriu seu propósito: proporcionar um dia de cinema, um dia de cultura, um dia de alegria, transmitindo mensagens poderosas para alunos das sete escolas públicas municipais de Herval d'Oeste, criando memórias afetivas que permanecerão vivas por todas as suas vidas.
Agora que tudo passou, sinto-me um pouco como o personagem Alfredo, do filme italiano Cinema Paradiso. É como se todas aquelas crianças que participaram das sessões guardassem dentro de si o espírito alegre e o fascínio pela sétima arte do menino Totó.
Então, a música-tema do filme, composta por Ennio Morricone e seu filho Andrea, começa a tocar em minha mente. As imagens de todos aqueles dias, com tantas crianças ao meu redor, embaladas pelo encanto do cinema, passaram a formar em minha memória o meu próprio Cinema Paradiso.
Por Omar Dimbarre
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