Um problema sem solução

Um problema sem solução

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Eram quase nove horas da manhã da quinta-feira quando a reportagem do Raízes Diário seguiu em direção à BR-282 para ver de perto como vivem algumas famílias nas proximidades do CPJ. O cenário chamou a atenção um dia antes quando a equipe passou pelo local, conhecido como “Curva da Marta”, para cobrir um acidente que aconteceu alguns quilômetros adiante.

O frio intenso dos últimos dias, beirando temperaturas negativas, tem feito muitas pessoas sentirem na pele o rigor da estação. No destino a reportagem se deparou com uma situação comovente. A cena faz lembrar os subúrbios de grandes centros e metrópoles, com quatro barracos improvisados em madeira, lona plástica, retalhos de tecido e papelão. Quem recebeu a equipe foi Gilberto Taubaté Amaral, 29 anos. Um homem de óculos, blusa vermelha, camisa de gola pólo da mesma cor, calça de brim escura surrada pelo tempo e chinelos. Ao lado dele, começaram a surgir crianças com idade variada. Amaral, a princípio bastante tímido, foi passando informações fragmentadas sobre o dilema compartilhado com os vizinhos do improvisado vilarejo. Uma a uma, as crianças fragilizadas pelas condições adversas impostas pela vida foram rodeando a reportagem. Após alguns minutos de conversa, o clima gelado foi quebrado. Estava rompida a barreira da desconfiança. Os pequenos sofredores até arriscavam um sorriso acanhado diante das câmeras. Apesar da pobreza os ocupantes da área ainda arrumam tempo para praticar a solidariedade, ao sustentar quatro cachorros, que lhes garante também a segurança. Amarrados em cordas e correntes, os animais protegem-se do frio em casinhas semelhantes à dos próprios donos. No quintal, galos, galinhas, patos procuravam no chão enlameado algum tipo de inseto ou semente para que servir como cardápio. No interior das casas confeccionadas pelas mãos dos próprios moradores, o improviso visto pelo lado de fora continua. No chão, o pó solto ocupa o espaço do que deveria ser cimento, ladrilho ou piso. Nas paredes, algumas frases religiosas ortograficamente escritas de maneira errada ornamentavam os lares como se fossem quadros. O sofá era uma cama improvisada. E ao fundo do cômodo único uma geladeira azul estava instalada. Próximo ao lado direito da porta de uma das residências, havia uma lareira, onde uma senhora preparava o café da manhã. Com ela, algumas crianças tinham prioridade no compartilhamento do pouco de comida que havia. Aproximação Após conquistar a confiança da população, Amaral elencou diversas dificuldades enfrentadas com a baixa temperatura. Ao redor das residências, árvores, mato alto e o rio correndo ao fundo dos casebres, fazem aumentar ainda mais a sensação de desalento. Nessas condições, coincide com a incidência de animais peçonhentos no local, o que se torna um risco eminente para as crianças que brincam ao redor dos barracos. O retrato dos abrigos sem água nem luz e seus moradores não espelha a realidade econômica do município de Joaçaba. Crianças com os pés descalços, cabelo comprido, sem tomar banho há tempo, a saúde dando sinais fragilidade, e que escondem sob as unhas a terra de uma infância castigada, revelam o martírio de se viver à margem da sociedade. Segundo Amaral, ninguém os procurou para prestar socorro. Nenhum tipo de ajuda, como doação de roupa e remédios são repassados para eles. Ele afirma também, que faz algum tempo que a prefeitura da cidade parou de fazer doações de cesta básica. Amaral diz que sustenta a família (com sete filhos de idade entre um e dois anos), com os R$ 400,00 que ganha através vendendo papelão e outros materiais recicláveis. Enquanto ele passava os detalhes da situação, mulheres e outras crianças espionavam a ação entre as entranhas das casinhas e frestas das portas e janelas. Questionado sobre a frequência das 12 crianças na escola, o porta-voz da pequena comunidade diz que o ônibus da prefeitura chega até a beira da BR-282, onde recolhem os inocentes e os transportam para outra realidade, mesmo que momentaneamente, carregada de esperança por um futuro melhor. Apelo Ao final da conversa franca, um dos moradores, que permaneceu o tempo todo calado e com um bebê nos braços, aproximou-se da reportagem e desabafou. Com os olhos marejados, ele detalhou que o seu barraco pegou fogo e está sem cobertura. Com o tom de voz baixo, mas com palavras que soavam como grito de socorro, ele pedia que alguém fizesse doação de pedaço de lona. A outra face do drama “Três daquelas famílias já ganharam casa, venderam e voltaram para lá”. O esclarecimento, categórico, é da coordenadora do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS) de Joaçaba, Rosane Martins Schumautz. Questionada pela reportagem do Raízes Diário sobre o posicionamento do setor em um possível descaso com as famílias da “Curva da Marta”, Rosane é taxativa. “Não é verdade, tanto que um senhor que está lá com a família vendeu a casa por R$ 5 mil, foi embora para Catanduvas, ficou um tempo lá e depois retornou”. Segundo ela, as outras três famílias tiveram a mesma atitude. Rosane é enfática em dizer que o que estava nas mãos do município foi feito. “Ir lá retirar de novo e depois de dois meses eles retornarem?”, indaga. A preocupação, conforme a coordenadora do CREAS existe, tanto que na terça-feira (12) o problema será pauta de discussão na rede social. “Já foi feito tudo o que era possível. Agora queremos envolver o Poder Judiciário, o pessoal da educação e habitação para ver o que será feito”, explica. “Várias alternativas a gente já trabalhou, faltou contrapartida por parte deles, que colocavam as crianças pedir dinheiro na beira do asfalto, mas essa situação hoje não acontece mais”, salienta. Versão semelhante tem a coordenadora do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), Maristela Abatti Schüler. Ela destaca que o CRAS já vem atendendo as famílias há um bom tempo e eles voltaram a viver nessa condição. “É muito mais fácil ficar as margens de uma BR para comover as pessoas, ainda mais nesse frio. Eles recebem tudo, não precisam sair trabalhar”. Ela argumenta que foi concedida ajuda pelas entidades “Obreiros da Luz” e “Bocado do Pobre”, com roupas, agasalhos e calçados. “A situação vai ser reavaliada porque a preocupação é com as crianças”. Sobre a distribuição de cestas básicas, Maristela detalha que uma vez por mês as famílias cadastradas recebem cestas básicas. Porém, elas têm que participar de atividades sociais frequentemente. “A gente já tentou encaminhamento das famílias para o mercado de trabalho, mas não deu certo. Agora está indo para instancia maior para resolver essa situação”, finaliza.

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