
Brotei em seu ventre e fiz do seu útero minha primeira morada; por meio da sua placenta e do cordão umbilical, me alimentei e recebi o oxigênio que precisava para viver. Durante nove meses, fui parte do seu corpo. Éramos um só ser.
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Cheguei ao mundo e fui amparado imediatamente por suas mãos acolhedoras. Seu olhar terno e cheio de amor me deu segurança para enfrentar aquele universo desconhecido que se desenhava ao meu redor. Não compreendia muito o que acontecia, mas, ao ouvir sua voz, me sentia protegido.
Cresci sob seus cuidados, sob seu olhar sempre atento, enquanto eu, curioso, queria desvendar um mundo cheio de descobertas. Caí, me machuquei e encontrei refúgio ao ser envolvido por seu corpo aconchegante e acalentado por suas palavras.
Dormi ao seu lado, sem sentir medo do escuro, e acordei hipnotizado pela sua presença acolhedora. Era tanto amor que meu maior temor, meu pesadelo infantil, era pensar que um dia a senhora partiria deste mundo, e eu ficaria abandonado, distante do seu afeto. Imaginar como isso seria me causava uma aflição imensa. Como poderia, um dia, ficar sem ter minha mãe ao meu lado?
Ensinou-me lições de vida, antes mesmo que a vida me ensinasse. Tornei-me adolescente e comecei a tropeçar pelo caminho, a me perder na minha própria história. E a senhora sempre estava lá, com seus braços abertos, prontos para me acolher, e com palavras cheias de sabedoria, aprendidas enquanto construía sua própria jornada, tentando moldar para mim um caminho mais seguro. Nunca desistiu e, se precisasse me erguer todos os dias, assim faria.
Lembro dos almoços de domingo, da comida feita com carinho, da pizza caseira, da sobremesa que eu adorava. Havia amor, havia afeto pairando no ar, transbordando por cada gesto, cada ação, cada palavra, cada silêncio...
Mas o tempo é implacável e segue seu curso, transformando vidas, criando novos enredos e deixando tantos outros perdidos no passado.
A velhice chegou e trouxe, junto com ela, dores que marcariam profundamente nossas vidas. O Alzheimer foi chegando de mansinho e, sem pedir licença, abriu a porta e fez morada em nossa casa.
Os dias passaram a ficar cada vez mais doloridos. Invertemos as posições: a senhora se tornou minha filha, e eu me tornei seu pai, seu abrigo. Passamos por dias difíceis, enquanto a doença lentamente destruía tudo o que havia sido construído.
Assisti à sua memória ser silenciada. Ouvi sua voz me chamando, mas agora não como na infância, para me proteger, e sim pedindo proteção. Tornei-me, de fato, seu porto seguro. Éramos uma só alma.
Foram onze anos ao seu lado, acompanhando seus passos cambaleantes, tropeçando em lembranças que se apagavam pela doença que, pouco a pouco, a consumia.
E então, na noite de 15 de julho de 2019, seu último suspiro anunciou sua partida. O dia mais terrível da minha vida havia chegado. E, junto com ele, veio uma dor que foi dilacerando todo o meu ser.
Não existia mais sol capaz de iluminar os dias que seguiram. Tudo ficou cinzento. Não ouvi mais sua voz terna chamando meu nome. Nunca mais lhe dei um beijo de boa noite ou antes de sair. O cordão umbilical que ligava nossas almas, havia sido cortado.
Os dias foram se sucedendo, tragando aos poucos os momentos que ficaram no passado, mas jamais destruindo os laços que, como mãe e filho, construímos desde o dia em que fui concebido até a nossa inevitável separação.
Vou seguindo meu caminho, terminando de construir minha história, imerso em lembranças de um tempo em que as estradas — muitas vezes inóspitas — por onde meus pés pisavam, tornavam-se mais acolhedoras, embaladas por um amor tão grande que nem a distância causada pela morte é capaz de abalar.
E, quando minha jornada finalmente tiver chegado ao fim, espero, então, poder lhe encontrar novamente, mãe. Quero acariciar e beijar sua face, envolvê-la em meus braços intensa e demoradamente, olhar profundamente em seus olhos e dizer: – Mãe, eu te amo muito mais do que imaginava!
Texto escrito pelo produtor cultural Omar Dimbarre
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