Dia da Abolição sem ter o que comemorar – momento é de reflexão!
Caso Sônia expõe continuidade da escravidão doméstica no Brasil

No mesmo dia em que o país relembra a assinatura da Lei Áurea, entidades públicas e da sociedade civil divulgaram uma Nota Técnica contundente que denuncia: a escravidão não acabou. Ela sobrevive dentro dos lares brasileiros sob o disfarce do discurso do “como se fosse da família” ou do “quase da família”. O caso de Sônia Maria de Jesus, resgatada após mais de 40 anos de trabalho doméstico análogo à escravidão, tornou-se símbolo dessa realidade invisibilizada e cruel.
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Negra, analfabeta, com múltiplas deficiências e retirada de sua família ainda criança, Sônia passou quase sua vida inteira servindo a uma família sob a justificativa de que era “como se fosse da família”. Nunca frequentou a escola, não teve acesso à LIBRAS nem à convivência com a comunidade surda. Durante esse período, os membros da casa onde ela vivia estudaram, viajaram, construíram seus relacionamentos e vidas. Sônia permaneceu isolada, invisível e privada até dos direitos mais básicos — inclusive da própria identidade.
Em um dos episódios mais alarmantes da história recente do Judiciário brasileiro, autorizou-se o reencontro de Sônia com os próprios acusados de submetê-la à escravidão e seu retorno à casa destes, baseando-se em uma ação tardia de reconhecimento de paternidade socioafetiva e no discurso do “como se fosse da família”.
A Nota Técnica propõe o aprofundamento do debate que sustenta a escravização em âmbito doméstico:
“Essas trabalhadoras são frequentemente exploradas por décadas em condições análogas à escravidão e, quando resgatadas, encontram-se em um estado de profunda degradação psicológica e moral. Essa realidade se sustenta nesse discurso de pertencimento familiar, incutida desde o momento em que são apropriadas pela família exploradora, que recruta essas vítimas predominantemente nos extratos da população negra e feminina de nosso país.”
O caso chocou especialistas em direitos humanos e a sociedade brasileira e internacional. Sônia perdeu a visão de um dos olhos durante os anos de convivência com a família exploradora e foi sujeita a violações profundas em virtude de uma vida de privação de direitos e negação de cuidados.
A Nota, assinada por diversas instituições classifica essa narrativa do “quase da família” como um mecanismo de encobrimento da escravidão doméstica, mascarando a verdadeira intenção de exploração, locupletamento e negação de direitos.
Além do caso de Sônia, a Nota ressalta que muitas trabalhadoras são resgatadas todos os anos em situação semelhante — mantidas desde a infância em casas de famílias exploradoras, sem salário, sem descanso, sem liberdade de ir e vir.
“Enquanto os filhos da família crescem e conquistam autonomia, essas mulheres permanecem submetidas, presas a um ciclo de dependência e subserviência. Mesmo quando envelhecem, não passam à condição de cuidadas. Continuam como cuidadoras — exploradas e esquecidas”, diz trecho do documento.
Diante desse cenário, as entidades signatárias exigem a erradicação do discurso do “quase da família” ou do “como se fosse da família”.
“Não se trata apenas de justiça para Sônia”, afirmam os autores da Nota. “Trata-se de romper com uma estrutura social e jurídica que ainda permite a apropriação de vidas sob o manto de uma suposta afetividade. Trata-se de dizer, com firmeza, que liberdade e dignidade não têm cor, classe ou endereço. E que ninguém é livre enquanto houver meninas e mulheres sendo escravizadas nos lares de nosso País.”
Fonte: Assessoria de Comunicação MPT-SC
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