Tagore e o som da memória: afeto, psicodelia e o brilho nostálgico de “Barra de Jangada”
Na nova matéria da série do Portal, o artista pernambucano fala sobre luto, infância, referências afetivas e a beleza de criar com liberdade
Pedro Silva
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Entre camadas psicodélicas, estética nordestina e um mergulho profundo na própria história, Tagore constrói uma das sonoridades mais singulares da música brasileira contemporânea. O cantor, compositor e produtor pernambucano lançou em 2024 o álbum Barra de Jangada, disco que resgata memórias da infância e homenageia figuras fundamentais em sua trajetória, como o pai e o músico Paulo Rafael — parceiro de Alceu Valença e amigo próximo da família.
Na entrevista para a série especial do Portal Éder Luiz, Tagore fala sobre esse processo de criação íntimo e coletivo, a formação da banda que o acompanha, as colaborações no disco, e os caminhos possíveis da música independente no Brasil de hoje.
Uma banda que muda com o vento
Embora o projeto leve seu nome, Tagore é acompanhado por uma formação que muda conforme a estrada permite. “A estrada e as circunstâncias são quem ditam essas formações, que já foram várias ao longo desses 15 anos”, conta. “Hoje em dia é muito difícil manter um único time, por conta das grandes distâncias, passagens aéreas e disponibilidade de agenda individual.”
No estúdio, a criação segue um núcleo mais definido. “Eu componho as músicas e, juntamente com João Cavalcanti, dou a roupagem necessária a cada uma delas, arranjando e produzindo. Ao vivo, somos nós que guiamos o grupo, para traduzir da melhor forma esses sons pro show.”
Barra de Jangada: quando a música vira memória
O disco Barra de Jangada nasceu de um momento delicado. Durante a pandemia, Tagore perdeu o pai. O luto abriu espaço para um reencontro com suas raízes.
“Nesse processo de resgate das memórias, tive vontade de reverenciar a estética sonora das minhas primeiras lembranças com ele.”
Ouça o album "Barra de Jangada" no Spotify:
A escolha de homenagear Paulo Rafael — guitarrista do Ave Sangria e parceiro de Alceu Valença — reforça o tom afetivo e histórico do álbum.
“Foi mágico descobrir como chegar nessa sonoridade específica. De tanto ouvirmos desde pequenos, não entendíamos de cara o quão especial ele era. Me senti honrando o legado do mestre.”
O disco também funciona como uma cápsula do tempo. “A ideia era transportar o ouvinte para aqueles tempos de dias infinitos, analógicos. Férias de verão com picolé Frutilly na praia e refrigerante Crush. Paixões empoeiradas.”
E o ponto de partida tem endereço certo: o bairro de Barra de Jangada, em Pernambuco.
“Morei lá em 1992. Aquelas tardes douradas na praia, acompanhando meu pai nas aventuras boêmias ao lado de Lula Côrtes, nosso vizinho na época, foram o norte inicial de tudo.”
Camadas, parcerias e um disco como pérola nostálgica
Gravado em Recife, no estúdio próprio de Tagore (o Sargaços), o disco foi o primeiro a ser mixado por ele mesmo — com exceção da faixa “Paixão Revirada”, mixada por Leo D.
“Gravamos separadamente cada instrumento, mas sempre com a ideia de fazer tudo soar como uma banda antiga tocando ao vivo, sem usar camadas demais como fazíamos nos álbuns anteriores.”
Na produção, Pedro Diniz e João Cavalcanti ajudaram a dar forma ao universo sonoro do disco.
“Pedro foi mestre em organizar os arranjos com a estética proposta. João é meu parceiro há 15 anos e entende bem o que quero traduzir. E o Cássio Cunha, baterista de Alceu Valença há mais de 20 anos, nos trouxe o pulso das ondas do mar.”
As participações especiais também revelam o afeto envolvido no projeto. Juliana Strassacapa, Juba e Clayton Barros foram convidados por afinidade — e por memória.
“Cada coração presente no álbum foi chamado por esse lugar comum no nosso imaginário afetivo. Um espaço onde todos podiam regressar às suas crianças e cantar para elas.”
Música independente com corpo e alma
Para Tagore, a cena musical brasileira vive um momento de reinvenção — tanto estética quanto nos modos de se produzir e circular música. Ele observa uma mudança de comportamento do público, que tem buscado sons mais humanos, menos artificiais.
“Acho que o público tem voltado a consumir projetos com cunho mais orgânico, talvez pela saturação das produções excessivamente digitais e polidas. Existe espaço para liberdade criativa dentro do circuito independente, principalmente quando se entende os espaços que se deseja ocupar.”
Em meio a tantos desafios, o artista destaca a importância das trocas sinceras que acontecem fora do algoritmo: nos palcos, nas estradas e na escuta atenta. São esses encontros que mantêm viva a arte — e a vontade de seguir criando.
🎶 Por onde começar?
Quem está chegando agora ao universo sonoro de Tagore pode começar pelo disco Maya, o terceiro da carreira — e um dos mais acessíveis em sua discografia. Mas Barra de Jangada é um convite a entrar fundo em suas camadas, com calma e coração aberto.
Ouça o álbum "Maya" no Spotify:
Enquanto prepara o próximo álbum e “algumas surpresas” para o ano que vem, o artista segue com a tour Voz & Coração, um show mais intimista, que coloca letra e presença no centro da experiência.
Acompanhe a banda!
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Nas próximas matérias, o Portal Éder Luiz vai apresentar outras bandas que estão movimentando a cena independente com criatividade, liberdade e som autoral de verdade. Prepare-se para conhecer nomes como Tangolo Mangos, Exclusive Os Cabides, Bella e o Olmo da Bruxa e muitos outros que fazem a música brasileira pulsar fora dos holofotes.
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