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Crônica: São Valentim
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Crônica: Os quartos de hotéis

Por Pablo Casarino Os quartos de hotéis Cheguei já cansado do trabalho.

Éder Luiz

Éder Luiz

Crônica: São Valentim

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Por Pablo Casarino

 

Os quartos de hotéis

 

Cheguei já cansado do trabalho. Não sabia se pedia alguma coisa para comer no quarto ou se saía para tomar um café e conhecer as histórias de botequim daquela que, apesar de não ser uma corrutela, não é uma cidade grande.

Ao chegar até a recepção, sem pedir meus documentos, a encarregada pela portaria me entregou uma ficha que foi devidamente preenchida enquanto ela pegava no quadro a chave do quarto 105. Sorte a minha. Não me lembrei no momento da reserva, da já antiga obsessão de não me instalar em quartos com números pares.

Ao abrir a porta, de imediato conferi se os remédios para alergia e todas as “its”, estavam dentro da mala. Carpete é um sinal de alerta para um alérgico.

Após uma incursão pelo ambiente familiarizando-me com coisas do tipo: controle da televisão, toalhas, cobertores (nunca de lã); liguei para a recepção para inteirar-me sobre o deadline do jantar.

Senhor, não serviremos mais jantar hoje. Devido ao número reduzido de hóspedes, resolvemos fechar a cozinha do restaurante mais cedo – disse uma gentil senhora que pela voz eu julgaria ter seus 60 anos.

Deitei na cama para pensar no plano B e ressonando, fui acordado por barulhos que pareciam qualquer coisa, menos o que pude constatar posteriormente, ser uma cena de amor. No outro dia ao acordar mais cedo para tomar o café da manhã com mais calma, fui surpreendido pelo jovem casal que saía do quarto ao lado e que, pela festa, devia estar de lua de mel. Ambos pareciam ter saído de um poema de Charles Bukowski.

Não entendo o que leva os gerentes de hotéis a colocarem pessoas em quartos lado a lado enquanto o estabelecimento está vazio. Um hotel nunca foi um ambiente muito discreto e às vezes as paredes parecem ser de papelão.

Nessas minhas andanças a trabalho, que nos últimos anos se tornaram bem menos frequentes, passei por muitos hotéis e também por inúmeras situações – a maioria das quais já não me recordo.

Durante um período de um ano, minha casa se resumiu a quartos de hotel. Conheço os estabelecimentos tanto de pequenas como de grandes cidades, desde os que possuem constelações de estrelas até os que não possuem sequer poeira estelar.

Lembro-me bem de uma senhora dona de um hotel na cidade de Baependi em Minas Gerais – para os religiosos a cidade é a terra natal de Francisca de Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica, considerada santa e milagrosa. Na verdade a santa nasceu em Santo Antônio do Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei (MG), e chegou criança em Baependi.

A senhora que havia herdado o hotel que também foi administrado por várias gerações da família, já estava tão habituada com a minha presença, que eu não precisava ligar aquele despertador chato do Paraguai que já me deixava de mau humor desde a manhã.

Quando o sol acabava de descortinar seus primeiros raios, ela batia na porta do meu quarto dizendo que o café da manhã já estava servido, com ovos mexidos que só ela sabe fazer, e que o leite estava na temperatura que eu gostava. Às vezes acho que só em pequenas cidades do interior de Minas, somos surpreendidos por situações tão simples e prazerosas como essas.

Algumas malícias só adquire quem passa muito tempo perambulando por hotéis. Como meu trabalho exigia que eu usasse camisa e calça social e não era todos os dias que eu dispunha de tempo para me preocupar em passar a roupa, um dia aprendi uma delas.

Jornalista, vou lhe passar uma manha das melhores. Toda vez que você for tomar banho, coloque sua camisa em um cabide, pendure o cabide dentro do banheiro com a água do chuveiro bem quente. Assim, enquanto toma seu banho, o vapor se encarrega do resto. Sua camisa estará bem passada – dizia um senhor que como já não tinha família, morava no hotel.

Enquanto morei em Moçambique alugava um apartamento no Centro da cidade, mas as histórias de hotéis continuavam fazendo parte da minha vida. Lembro-me do costume de alguns amigos locais de fazerem a refeição matinal conhecida como “pequeno almoço”, em hotéis. Para mim muitas vezes bastava aquela refeição naquele dia.

Saíamos um grupo para desfrutarmos das delícias típicas que somente em hotéis africanos pode-se experimentar. Lembro-me dos hotéis Chuabo e Flamingo considerados de luxo. Lembro-me também da pensão Quelimane onde éramos amigos do dono e íamos apenas para tomarmos garrafas e garrafas das cervejas Manica e Laurentina, para refrescar a cuca daquele calor de 50 graus.

Gosto da impessoalidade e da praticidade de hotéis. Moraria em um por uma vida toda. Até porque a casa é o local onde permaneço por menos tempo. As paredes dos quartos de hotéis são testemunhas de muitas histórias. Imagina se elas falassem?

 

Pablo Casarino, jornalista, poeta e cronista

Natural do município de Campo Belo, Sul do Estado de Minas Gerais, Pablo Casarino cursou Comunicação Social, habilitação em jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC/MG). Amante das artes, desde criança fez da produção de crônicas e poesias seu passa tempo.

Enquanto assessor de comunicação na Assembléia Legislativa de Minas Gerais pôde participar de Saraus e conhecer a efervescência do cenário cultural de Belo Horizonte.

Em suas andanças morou em São Paulo e outros municípios do país, sempre buscando absorver os costumes e a cultura dos lugares por onde passava.

Foi docente do curso de comunicação social em Moçambique na África, estreitando os laços com a poesia de escritores daquele continente.

Ficou em terceiro lugar na premiação do 1º Prêmio Internacional de Poesia – Casa de Cultura Manoel Antônio de Carvalho (Casa Mac) de Belo Horizonte, com o poema Permissão, publicado em uma antologia.

Há três anos reside em Santa Catarina. Atualmente é jornalista da Valemais Comunicação e do Portal Éder Luiz.


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