Cineasta premiado mundialmente concede entrevista exclusiva para o Portal Eder Luiz
Cineasta premiado mundialmente concede entrevista exclusiva para o Portal Eder Luiz
Por Pablo Casarino
Na noite de ontem, o premiado cineasta pernambucano Camilo Cavalcante, concedeu uma entrevista exclusiva para o Portal Éder Luiz.
Ele esteve em Joaçaba, para participar da já tradicional Noite da Pipoca, promovida pelo curso de Publicidade e Propaganda da Unoesc.
Durante o evento, foi exibido seu filme “A História da Eternidade” que entre os mais de 15 prêmios conquistados podemos citar: Melhor Ator, Melhores Atrizes e Melhor Direção.
A obra mescla três histórias de amor no sertão remoto. Além de História de Eternidade, o curta-metragista é premiado pelas obras: “O Velho, o Mar e o Lago” (2000), “Rapsódia para um Homem Comum” (2005) e “O Presidente dos Estados Unidos” (2007). Seus 12 curtas acumularam mais de 120 prêmios em festivais.
Portal: Quando surgiu a ideia de fazer cinema?
Camilo: Começou enquanto eu ainda era criança. Uma sala escura que você entrava para viver outras emoções, viver outras vidas. Isso me encantava.
Quando resolvi trabalhar com isso efetivamente, como no Recife não possuía faculdade de cinema, eu resolvi fazer comunicação social, jornalismo, na Faculdade Federal de Pernambuco.
Em 1995, ano em que o cinema completava 100 anos, eu era estudante, não tinha produzido nada e nem conhecia ninguém do ramo, mas meti a cara e fiz um vídeo chamado “Cálice” sobre um suicídio que ocorreu na casa do estudante na Universidade Federal de Pernambuco. A equipe era eu e dois amigos, com uma câmera VHS compacta.
Fiz vários trabalhos experimentais levando a sério a premissa do Glauber Rocha, “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”. Com uma câmera 16 milímetros de um amigo, e o apoio da produtora Center do Recife, que hoje fechou, conseguimos uma lata de negativos de 16 milímetros e fizemos um filme chamado “O Caso”.
Em 1999 fiz um vídeo chamado Leviatã, que ganhou muitos prêmios em festivais. Na mesma época eu criei o Manifesto Cinemacrabadapeste que pregava o seguinte: não importa o formato que você filma, não existe coisa mais linda que a liberdade. Uma ideia ganha vida na tela. Posteriormente comecei a participar de festivais e vi que não estava só no mundo.
Em 2000 após ser premiado pelo concurso do Ministério da Cultura, fizemos um trabalho com mais recursos chamado “O Velho, o Mar e o Lago”, premiado tanto no Brasil como no exterior, legitimando meu trabalho.
Comecei a participar de muitos editais e escrevi o homônimo do longa metragem “A História da Eternidade”. Em 2005 fiz “Rapsódia para um Homem Comum”, em 2007 “O Presidente dos Estados Unidos”, em 2009 “Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos”. De lá pra cá eu continuo nessa busca por um cinema humanista, instigante, que provoque reflexões nas pessoas.
Hoje nos encontramos em um meio em que as imagens estão ultra banalizadas. Todos usam o celular para filmar e cada vez mais o Cinemacabradapeste está vivo. O que importa é o que queremos mostrar para o mundo. Sua marca, seu olhar, o que você tem a dizer. Hoje precisamos de audiovisual que instigue e possa ser libertário, abrir janelas e ampliar a visão de mundo.
Portal: Como você enxerga as obras produzidas em Pernambuco hoje? E os investimentos em cinema? Está mais viável produzir cinema fora do eixo Rio/São Paulo?
Camilo: Hoje está infinitamente melhor do que há 15 anos. Em Pernambuco temos um edital chamado Fundo de Cultura do Governo de Pernambuco (Funcultura), que destina por ano quase R$ 12 milhões especificamente para o audiovisual.
Os filmes feitos em Pernambuco são multiculturais. A única coisa que as produções do Estado têm em comum é uma honestidade de expressão de seus idealizadores. Você pode observar nas produções que os idealizadores estão se expondo no seu filme. Ninguém faz filme para copiar padrões. São filmes originais com diferentes visões artísticas, estéticas e ideológicas.
Hoje é possível produzir fora do eixo Rio/São Paulo porque através de uma cadeia auto produtiva, o dinheiro de uma obra audiovisual é ultra distribuído, gerando recursos para os setores primários, secundários e terciários da economia. Não precisamos mais ir para o Rio ou São Paulo para finalizar nossos filmes.
Portal: Quem você citaria como grandes influências nas suas obras?
Rapaz, isso é muito difícil de responder. São muitas influências em diferentes e distintas fases da vida. As influências passam pelo espanhol Luis Buñuel, até Glauber Rocha e Tarantino. Mas gosto muito de citar cinco diretores que são muito importantes para o cinema e que consciente e inconscientemente estão presentes no meu trabalho: o iraniano Abbas Kiarostame, o Sérvio, Emir Kusturica, o polonês Krzysztof Kieślowski, o americano Stanley Kubrick e o grande japonês, Akira Kurosawa.
Portal: O que você acha que poderia ser feito para se democratizar o cinema?
Camilo: Atualmente no Brasil o cinema está extremamente elitista. A maioria dos cinemas hoje são complexos dentro de shopping centers, caríssimos que afastam a população.
Vivemos um momento totalmente dominado por uma máfia do mercado cinematográfico que boicota os filmes nacionais, principalmente os independentes e com teor artístico.
Essa máfia te impede de entrar no circuito. Como uma pessoa vai ter acesso ao filme se ele não está na prateleira? A máfia é composta pela própria Cinemark, Cinépolis e o próprio mercado exibidor.
Para você ter uma ideia, na semana em que A História da Eternidade foi lançada, o maior lançamento do cinema no Brasil foi Tinker Bell – Sininho O Segredo das Fadas que no mercado Norte Americano nem foi pra tela de cinema. Os Estados Unidos depositam o lixo deles no nosso cinema e nós brasileiros não temos espaço em nosso próprio país. As pessoas engolem e pagam pra ver. Somos marginalizados em nosso próprio país.
Eu acho que temos que fazer salas populares de cinema ou circuitos de cinema universitário com ingressos a R$ 3 ou R$ 4 para que todos possam pagar. Atitudes como essa, criariam expectadores mais conscientes, críticos e menos passivos em relação à imagem que tende a manipular as pessoas e se você não está preparado, tu cais como um patinho. É importante você ter um senso crítico ativo para não ser enganado.
Portal: Você acha o cinema deveria estar, além do quadro de disciplinas dos cursos de comunicação, em outros cursos superiores pelo menos da área de humanas e nas escolas?
Camilo: Já temos no Brasil uma lei para que os alunos do ensino médio possam ter cinema nacional nas salas de aula. Acho que ainda não está é em vigor. Cinema ajuda no aprendizado de história, sociologia, filosofia, artes, ciências. Você construindo um expectador desde pequeno, quando ele crescer ele terá um repertório de signos muito maior e um senso crítico sem ser um consumidor passivo. Vai ser um consumidor ativo e bem pensante.
Portal: Sobre o “O Velho, o Mar e o Lago”, você diria que foi um divisor de águas na sua carreira? Fale um pouco sobre essa produção.
Camilo: Sem dúvida. Naquele momento foi um filme que alcançou uma repercussão grande. Circulou muito e foi bem visto e interpretado pelas pessoas. Foi um trabalho que eu tive uma estrutura um pouco melhor para trabalhar. Mesmo tendo um orçamento curto, filmamos com câmeras de cinema, tivemos tempo para ensaiar. Foi meu primeiro processo de muito ensaio. Passamos seis meses ensaiando. Foi um filme em que pude exercitar e descobrir os meandros sobre o fazer cinematográfico.
Portal: E sobre o longa metragem “A História da Eternidade”?
Foi um projeto que demorou muito tempo para ser realizado. Foram quase 12 anos batalhando para conseguir os recursos desse filme. Em 2010 ganhamos o edital do Ministério da Cultura para a realização de longa metragens de baixo orçamento e também o Fucultura do Governo de Pernambuco. Com essa verba começamos a filmar. Foi um processo intenso e rico com uma equipe maravilhosa e atores geniais.
Levei ao limite essa coisa de trabalhar com atores em uma pequena comunidade do sertão de Pernambuco onde tinha mais gente morta do que viva. Um cemitério enorme e apenas cinco casinhas. Essa possibilidade de estar nesse lugar com o elenco antes trabalhando, criando e confeccionando com profundidade os personagens, foi um momento mágico de criação artística.
A relação entre a equipe e os moradores locais foi de total cumplicidade. Eles trabalharam ativamente no filme. Algo muito construtivo em termos de relações humanas e artísticas. É um compromisso eu voltar lá para exibir para eles o filme.
Portal: O que você diria para quem está começando agora ou tem vontade de fazer cinema?
Camilo: Minha dica é para que essa pessoa leia muito. Veja muitos filmes, principalmente os filmes importantes e relevantes dos grandes diretores da história do cinema. Diria pra sonhar. Nunca se esquecer de acreditar nos sonhos e correr atrás. Ser sempre perseverante.
Portal: Camilo temos novidade por aí?
Camilo: Temos novidades sim. Acabamos de finalizar a segunda temporada de uma série de TV chamada “Olhar” que será exibida no canal Brasil provavelmente no segundo semestre. São 10 programas com entrevistas com diretores de Pernambuco de várias gerações falando sobre a infância e o processo criativo. São entrevistas muito interessantes porque muitas vezes você conhece a obra, mas não sabe o que está por trás do artista. É importante conhecer o ser humano por trás do artista. Além de poder se debruçar sobre a obra de cada idealizador.
Estou também na pré produção de um segundo longa metragem de ficção chamado “King Kong em Asunción”. Será filmado em Pernambuco, na Bolívia e no Paraguai e conta a história de um matador de aluguel velho, que se encontra em crise existencial refletindo sobre sua vida. Em um dado momento ele decide desistir de tudo e vai em busca da filha dele, uma mulher de 40 anos que ele nunca conheceu.
Estamos finalizando também um longa metragem documentário chamado “Beco” que é um registro do Beco do Inferno, um anexo do Mercado de Afogados no Recife que eu acho que é um retrato subdesenvolvimento congênito, latino-americano. Um divan popular. Temos alguns projetos se encaminhando.
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