Tratamento clandestino de saúde é realizado em Luzerna
Tratamento clandestino de saúde é realizado em Luzerna

O jornal Raízes Diário, de Joaçaba, denunciou em sua edição desta segunda-feira, 14, uma prática clandestina de uma terapia que usa o sange do próprio paciente para tratar doenças. A íntegra da reportagem, do repórter Tiago Rafael, está abaixo.
Identificado praticantes de auto-hemoterapia no Meio-Oeste; método é criticado por especialistas de medicina, vetada pela Anvisa e cientificamente desconhecido pelo CFM Na cidade de Luzerna, no Meio Oeste de Santa Catarina, uma prática desaprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e banida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está sendo executada. Trata-se da auto-hemoterapia (AHT). A AHT é um método desconhecido por muitas pessoas. Ele consiste na terapia com o sangue do próprio paciente. O processo rápido e simples promete a cura de doenças implacáveis, com custos baixos. Primeiro é retira uma quantidade de sangue da veia com uma seringa. Imediatamente, o líquido é aplicado nas nádegas ou no braço. O procedimento demora pouco mais de um minuto. Tudo deve ser feito de forma ágil, para que o sangue não perca suas propriedades ou seja contaminado. Apesar dos aplicadores dizerem que o risco de contaminação é nulo, a Anvisa rebate que, coletar sangue de forma inadequada e sem os cuidados sanitários, pode expor o paciente a vírus como hepatite e Aids. DOSES De acordo com os defensores da AHT, há variação de trato em cada paciente. Conforme a gravidade da patologia, a extração e aplicação de sangue pode oscilar de 5ml a 20ml. Na internet existem vários relatos de que a auto-hemoterapia é capaz de curar doenças graves. O câncer e o vírus da Aids, são dois exemplos de doenças supostamente “curáveis” pela AHT – as quais os recursos da medicina moderna encontram dificuldades para combater. TEORIA DA AHT Ao retirar o sangue de uma região e aplicar em outra, o material entra na corrente sanguínea como um corpo estranho. Apesar da falta de comprovação científica, os usuários afirmam que a defesa do organismo aumenta e eleva os níveis de macrófagos de 5% para 22%. Os macrófagos são responsáveis pela limpeza do organismo, retirada de bactérias e vírus. Na teoria dos praticantes, os níveis elevados de defesa, criados pelo próprio organismo, atingem o pico após 8h de aplicada a injeção. O resultado perdura por cinco dias. Após esse período, a produção de macrófagos começa a regredir e volta à casa dos 5% – valor de produção em uma pessoa normal. PRATICANTES NA REGIÃO A reportagem do Raízes Diário encontrou alguns adeptos da auto-hemoterapia. Todos são convictos ao afirmar que foram curados ou tiveram a qualidade de vida melhorada graças ao procedimento. Na cidade de Luzerna, uma dona de casa de 53 anos, aposentada como agricultora, faz atendimentos às pessoas que querem aderir a AHT. Por telefone, Vani – como é conhecida a aplicadora – aceita dar uma entrevista exclusiva para explicar os detalhes da prática na região. A princípio, a senhora havia marcado a entrevista em sua residência, local onde também faz seus atendimentos. Porém, devido seus compromissos, ela resolveu marcar a entrevista em um salão de beleza, no centro da cidade. No local, ela foi prestar seus serviços de auto-hemoterapia à dona do estabelecimento. O atendimento aconteceu nos fundos do salão, em uma sala reservada para a execução de depilação. A reportagem acompanhou tudo. Vani pediu que a “paciente” providenciasse um pouco de álcool e algodão. Os produtos foram utilizados para a esterilização da veia do braço, onde foi retirado o sangue, e das nádegas, onde foi injetado o líquido. Em poucos minutos, o procedimento foi feito em uma sala que confronta com todos os requisitos médicos e sem o acompanhamento profissional. Contudo, a seringa utilizada no procedimento foi quebrada e descartada. A dona do salão de beleza faz a AHT há mais de um ano. A cabeleireira diz que começou o tratamento para a diminuição de nódulos no seio. Segundo ela, com o resultado positivo, continuou com a terapia. E afirma que o procedimento é “viciante” e que se sente mais disposta após a auto-hemoterapia. Vani diz que tomou conhecimento sobre a auto-hemoterapia há sete anos, através de um massagista. Ele, por sua vez, ficou sabendo do método através dos DVDs do clínico geral, Luiz Moura, do Rio de Janeiro. No período, os entusiastas da AHT enviavam o material gratuitamente para qualquer pessoa que quisesse obter informações sobre o tratamento. A partir de então, ela e seu marido começaram a fazer a terapia do sangue. Com a evolução, ela estendeu o atendimento para outras pessoas interessadas. Segundo Vani, em determinados períodos, sua casa já recepcionou mais de 19 pessoas por semana. Ela diz que perdeu as contas do número de pessoas que tratou. Todas as pessoas chegam até a casa de Vani através de indicação. “Muitas pessoas têm preconceito porque acham que é espiritismo”, conta. Ela ainda fala que algumas religiões não permitem o uso do tratamento. A aplicadora conta que muitas pessoas ficam impressionadas na primeira sessão de tratamento por ser feito com bastante sangue. RELATO Vani diz que o primeiro ponto de melhoria apresentada em pacientes que usam a auto-hemoterapia é o aumento na imunidade. A recomendação dela é que a AHT seja feita a cada sete dias, para que a produção de macrófagos seja linear. A dona de casa conta que sempre se interessou por tratamentos alternativos e relacionados com a homeopatia. O interesse pela medicina surgiu aos nove anos de idade, quando sua mãe estava acamada. Ela diz que fazia todas as injeções necessárias à matriarca. CUSTOS Vani diz que o paciente paga o quanto achar conveniente. Ela diz que não cobra nada. A usuária ainda confessa que se a pessoa não tiver condições, cobra apenas R$ 5, que é o valor da seringa usada. “Isso seria quase que um trabalho voluntário. Não visa lucro nenhum”, salienta. CURAS A moradora do interior de Luzerna diz que diversas pessoas que passaram por suas mãos apresentaram melhorias em seus quadros clínicos. Os principais relatos são de curas de feridas extensas, melhorias em situações de depressão e benefícios à pele. SIGILO Segundo a aplicadora, muitas pessoas na região efetuam tratamentos com AHT, mas tudo em sigilo. “Elas não revelam por causa dos médicos. Eles são contra”, revela, completando: “Só não fiz em crianças. Até mesmo pessoas da classe médica e farmacêuticos fazem uso do mecanismo”. ARGUMENTOS Vani rebate todas as críticas feitas à auto-hemoterapia. Segundo ela, os benefícios da AHT só são possíveis através da comprovação pessoal. A aplicadora também afirma que, em mais de sete anos de prática, nenhum cliente reclamou dos serviços. PROIBIÇÃO EXPLÍCITA A Resolução CFM nº 1.499, de 1998, proíbe aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica. A Sociedade de Hematologia e Hemoterapia não reconhece o procedimento auto-hemoterapia, que pode ser enquadrado no inciso V, Art. 2º do Decreto 77.052/76, e sua prática constitui infração sanitária, estando sujeitas às penalidades previstas no item XXIX, do artigo 10, da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto de 1977. CASO DE POLÍCIA Em Rio Negrinho, no Norte do Estado, a Polícia Militar deteve um casal em flagrante por causa da prática ilegal. A denuncia foi feita pela Vigilância Sanitária. Na época, policiais à paisana marcaram uma sessão de auto-hemoterapia e flagraram a prática. A prisão foi em maio de 2009. Na época, o casal respondeu o crime em liberdade. POPULARIZAÇÃO Os adeptos a auto-hemoterapia tentam comprovar a eficiência do procedimento com estudos internacionais. Nas redes sociais, como por exemplo, no Facebook, há um grupo com mais de 500 pessoas favoráveis a técnica. No Orkut também existem milhares de correntes de apoio. HISTÓRIA A AHT surgiu no inicio do século passado, na França. Durante a década de 30, teve estudos no Brasil e nos Estados Unidos. Mas a falta de pesquisa coloca em xeque a utilização do tratamento com sangue.
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